Cartas Chilenas (8ª carta)

Tomás Antônio Gonzaga. Vila Rica ( 1786)


 

As "Cartas Chilenas" são um poema satírico de Tomás Antônio Gonzaga, que viria a ser um dos cabeças da Inconfidência Mineira. São treze cartas em versos, que teriam sido escritas por um tal de Critilo a seu amigo Doroteu, nas quais se critica os desmandos do Fanfarrão Minésio, governador da capitania do Chile. Trata-se apenas de um recurso de Gonzaga para driblar a censura da administração colonial. O verdadeiro alvo das críticas é Luís da Cunha Meneses, governador de Minas Gerais de 1783 a 1788.





A oitava carta denuncia que Meneses usava em benefício próprio o sistema de contratos - concessão que se fazia, trienalmente, a um particular para que ele efetuasse a cobrança dos impostos em nome da Coroa. Teoricamente, os contratos deveriam ser disputados em concorrências públicas, mas, como se vê, na Vila Rica do final do século XVIII, os governantes corruptos já conheciam os caminhos das pedras para driblar a lei, roubar os cofres públicos e encher as burras de dinheiro. Alguma semelhança com o nosso tempo?

Preso em 1789, por participar da Inconfidência Mineira, Gonzaga foi condenado a dez anos de degredo em Moçambique, aonde veio a falecer em 1809.

(...)

Pretende, Doroteu, o nosso chefe
Mostrar um grande zelo nas cobranças
Do imenso cabedal que todo o povo,
Aos cofres do monarca, está devendo.
Envia bons soldados às comarcas,
E manda-lhe que cobrem, ou que metam,
A quantos não pagarem, nas cadeias.
Não quero, Doroteu, lembrar-me agora
Das leis do nosso augusto; estou cansado
De confrontar os fatos deste chefe
Com as disposições do são direito;
Por isso pintarei, prezado amigo,
Somente a confusão e a grã desordem
Em que, a todos, nos pôs tão nova ideia.


Entraram, nas comarcas, os soldados,
E entraram a gemer os tristes povos.
Uns tiram os brinquinhos das orelhas
Das filhas e mulheres; outros vendem
As escravas, já velhas, que os criaram,
Por menos duas partes do seu preço.
Aquele que não tem cativo, ou jóia,
Satisfaz com papéis, e o soldadinho
Estas dívidas cobra, mais violento
Do que cobra a justiça uma parcela
Que tem executivo aparelhado,
Por sábia ordenação do nosso reino.
Por mais que o devedor exclama e grita
Que os créditos são falsos, ou que foram
Há muitos anos pagos, o ministro
Da severa cobrança a nada atende;
Despeza estes embargos, bem que o triste
Proteste de os provar incontinenti.

Não se recebem só, prezado amigo,
Os créditos alheios, para embolso
Das dividas fiscais. O soldadinho
Descobre um ramo, aqui, de bom comercio:
Aquele que não quer propor demandas
Promete-lhe a metade, ou mais, ainda,
Das somas que lhe entrega, e ele as cobra
Fingindo que as tomou em pagamento
Das dividas do rei. Ainda passa
A mais esta desordem: faz penhoras
E manda arrematar, ao pé da igreja,
As casas, os cativos, mais as roças.

Agora, Fanfarrão, agora falo
Contigo, e só contigo. Por que causa
Ordenas que se faça uma cobrança
Tão rápida e tão forte contra aqueles
Que ao erário só devem tênues somas?
Não tens contratadores, que ao rei devem,
De mil cruzados centos e mais centos?
Uma só quinta parte, que estes dessem,
Não matava, do erário, o grande empenho?
O pobre, porque é pobre, pague tudo,
E o rico, porque é rico, vai pagando
Sem soldados à porta, com sossego!
Não era menos torpe, e mais prudente
Que os devedores todos se igualassem?
Que, sem haver respeito ao pobre ou rico,
Metessem, no erário, um tanto certo,
À proporção das somas que devessem?
Indigno, indigno chefe! Tu não buscas
O público interesse. Tu só queres
Mostrar ao sábio augusto um falso zelo,
Poupando, ao mesmo tempo, os devedores,
Os grossos devedores, que repartem
Contigo os cabedais, que são do reino.

Talvez, meu Doroteu, talvez que entendas
Que o nosso Fanfarrão estima e preza
Os rendeiros que devem, por sistema:
Só para ver se os ricos desta terra,
A força de favores animados,
Se esforçam a lançar nas régias rendas.
Amigo Doroteu, o nosso chefe,
Se faz alguma coisa, é só movido
Da loucura, ou do sórdido interesse.







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