Sonhando pontes


Edvard Munch 1863 - 1944 "Ragazze su un ponte" 1899-1900.

Pensar no destino a ser dado à vida não se resume a uma opção por um curso universitário. Sem dúvida, esse caminho é trilhado por muitos jovens, realidade para muitos, mas não paratodos. E para muitos não é realidade não porque não possam ingressar numa universidade pública ou porque não possam pagar uma faculdade privada: não é realidade simplesmente porque muitos não vêem o curso superior como a única forma, ou a forma privilegiada, de realização na vida. Acreditam que podem realizar-se sem passar pelos bancos universitários. Por essa razão, é preciso analisar os fatores que estão relacionados no caso de opção – ou não – por um curso de nível superior, e como as pessoas, em graus variados, satisfazem-se com a vida que levam. A literatura contempla-nos com personagens realizados com a vida simples que levavam. É o caso, por exemplo, do personagem Jeca Tatu, de Monteiro Lobato:

Um terreirinho descalvado rodeia a casa. O mato o beira. Nem árvores frutíferas, nem horta, nem flores – nada revelador de permanência.
Há mil razões para isso; porque não é sua a terra; porque se o “tocarem” não ficará nada que a outrem aproveite; porque para frutas há o mato; porque a “criação” come; porque...
— “Mas criatura, com um vedozinho por ali... A madeira está à mão, o cipó é tanto...”

Jeca, interpelado, olha para o morro coberto de moirões, olha para o terreiro nu, coça a cabeça e cuspilha.
— “Não paga a pena.”

Todo o inconsciente filosofar do caboclo grulha nessa palavra atravessada de fatalismo e modorra. Nada paga a pena. Nem culturas, nem comodidades. De qualquer jeito se vive.

Para Jeca, seu projeto de vida é esse, Nada paga a pena. Na literatura, ainda, encontramos o contraponto de Jeca. O personagem Jerônimo, de O Cortiço, nada tem de acomodado, pois era perseverante, observador e dotado de certa habilidade. Em poucos meses se apoderava do seu novo ofício e, de quebrador de pedra, passou logo a fazer paralelepípedos; e depois foi-se ajeitando com o prumo e a esquadria e meteu-se a fazer lajedos; e finalmente, à força de dedicação pelo serviço, tornou-se tão bom
como os melhores trabalhadores de pedreira e a ter salário igual ao deles. Dentro de dois anos, distinguia-se tanto entre os companheiros, que o patrão o converteu numa espécie de contramestre e elevou-lhe o ordenado a setenta mil-réis. Dois personagens, duas histórias, duas formas de viver e encontrar a realização pessoal.

Há casos, porém, em que o sucesso existencial é muito questionado, sobretudo se não atende aos sonhos previamente instalados na vida. É o que acontece com Mathieu, personagem de A idade da razão, de Jean-Paul Sartre:

Assim é que eles me vêem, eles, Marcelle, Daniel, Brunet, Jacques. O homem que quer ser livre. Come, bebe, como qualquer outro, é funcionário, não faz política, lê L’Oeuvre e Le Populaire e está em dificuldades financeiras. Mas quer ser livre, como outros desejam uma coleção de selos. A liberdade é seu jardim secreto. Sua pequena conivência para consigo mesmo. Um sujeito preguiçoso e frio, algo quimérico, razoável no fundo, que malandramente construiu para si próprio uma felicidade medíocre e sólida, feita de inércia, e que ele justifica de quando em vez mediante reflexões elevadas. Não é isso que sou?

Por fim, vemos que a questão da grande busca humana é tema que não se restringe à literatura e toma formas diversas no mundo em que vivemos, como mostra a reportagem O paradoxo do progresso, da revista Veja de 14.04.2004:

A população dos países mais ricos passa por uma crise existencial: a sensação de que no passado se vivia melhor. A história e as estatísticas, no entanto, mostram que a média dos moradores dos Estados Unidos e da Europa Ocidental nunca teve uma vida tão próspera. As pessoas vivem mais, têm mais acesso à educação e, descontados os desejos mais extravagantes, realizam como nunca os sonhos de consumo. Cinqüenta anos atrás, os objetivos de uma família americana eram a casa própria, o carro na garagem e pelo menos um dos filhos na universidade.

Hoje, seu estilo de vida excede essas expectativas, graças a um aumento de 50% na renda da classe média nos últimos 25 anos. O que hoje é comum — uma frota de carros na garagem, assistência
médica de primeira e férias no exterior — no início do século XX era privilégio de uns poucos milionários. Há muito mais: algumas doenças letais que nos anos 50 não poupavam nem sequer os muito ricos, como a poliomielite, foram praticamente erradicadas. Apesar de todos esses avanços, os psicólogos identificam um fenômeno que tem sido chamado de “hipocondria social” ou “paradoxo do progresso”: a sensação crescente de que tudo o que se conquistou com as melhorias sociais é mera
ilusão.

A idéia de que um bom padrão de vida não é garantia para a realização pessoal é antiga. Há mais de 2000 anos, o filósofo grego Aristóteles já afirmava que a felicidade se atinge pelo exercícioda virtude, e não da posse. Uma pesquisa recente realizada pelo sociólogo holandês Ruut Veenhoven, da Universidade Erasmus de Roterdã, concluiu que com uma renda anual de 10 000 dólares o indivíduo tem o suficiente para uma vida confortável em qualquer país industrializado. A partir daí, como na propaganda de cartão de crédito, existem coisas — um sentido para a vida, uma paixão e amizades — que o dinheiro não pode comprar. A melancolia que contamina as sociedades ricas do século XXI é mais complexa do que a velha frase “Dinheiro não compra felicidade”. Para o jornalista americano Gregg Easterbrook, pesquisador do Instituto Brookings, se a classe média americana não está se sentindo bem, isso é culpa de uma mistura indigesta que inclui decepção com o progresso, consumismo exacerbado,falta de novos objetivos para a vida e excesso de opções.

A partir do que se expôs, pense no que seja um projeto de vida e reflita sobre as implicações que ele tem para a realização pessoal – plena ou não. Portanto, sua tarefa aqui, agora, é elaborar um texto dissertativo-argumentativo, em prosa, analisando e discutindo a seguinte questão:

AS FORMAS DE SE ALCANÇAR A SATISFAÇÃO PESSOAL E A FELICIDADE.

http://www.alferes.com.br/alferes_resolve/unifesp/arq_2006/unifesp_port_ing.pdf

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