Água na natureza, na vida e no coração dos homens

Em tupi, o substantivo água é diminuto, apesar de sua abundância na terra brasilis. Água resume-se a uma letra: i (ig). A expressão água verdadeira, água de fato, é ieté. Água doce é icem. Água boa é icatu. Água benta ou água santa é icaraí, palavra muito pronunciada por ibarés4 jesuítas. Hoje designa bairros e localidades, sobretudo no Estado do Rio de Janeiro. E icanga ou iacanga designa a nascente, a cabeceira ou o início de um rio. O termo entra na composição de muitos topônimos brasileiros. O limo dos rios é chamado carinhosamente de cabelo d’água: igaba5.
Igara designa a canoa e dela derivam muitos nomes, de muitas cidades e logradouros, como Igaraçú, bela e antiga vila pernambucana, sinônimo de canoa grande. Ou ainda, Igarapava: ancoradouro de canoas, bem como Igaratá, canoa forte ou resistente (palavra aplicada aos navios), igarari, rio das canoas, e outras tantas. Iguá é outro tesouro da língua indígena. Evoca a bacia fluvial, a enseada (i, água, guá, enseada, bacia, rio amplo), como em Iguatinga, baía branca e iguaba, bebedouro da baía. Nomeia municípios e cidades como Iguape (textualmente, na enseada) e Iguaçu (rio grande).
Itu, salto, cachoeira ou cascata, é o nome do município onde encontra-se o salto do Tietê. Falar de Salto de Itu é mesmo tautológico.

                                                   Rio Tietê


Itutinga é o salto branco, a branca cachoeira, enquanto ituzaingó, localidade do Rio Grande do Sul, designa o salto a pique, vertical, como a cachoeira do Caracol, em Gramado.

                                                   Itutinga

Itupeva, cachoeira baixa ou de pouca altura, é também nome de município. Ituporanga evoca o salto rumoroso e estrondejante. Itumirim e Ituassú são opostos. Itupiranga é a cachoeira vermelha; Itupu, o salto estrondoso e Ituverava, a cachoeira brilhante.
Graças ao tupi, as águas passaram a viver no meio dos urbanos, evocando um paraíso de rios e regatos perdidos, hoje canalizados, poluídos, mortos e sub-enterrados. Iguatemi pode ser para muitos sinônimo de compras, consumo ou nome de rua, mas significa "rio verde escuro". Guareí é nome de rua paulistana, de cidade, contudo evoca "rio das antas". Bem raras nesse município e raríssimas nessa rua do bairro da Moóca. Ivaí, nome de ruas e cidades, traduz o rio das frutas. Já Itajuí, é o rio do ouro (itayuba-í). Itaim significa pedregulho, aquele rolado pelo rio. O seixo. Além do bairro, dos pequenos seixos, do Itaim-mirim e do balanço do Itaim-bibi. Itaipu, além da imensa hidroelétrica, designa de forma circunstanciada, a fonte da pedra, a água saindo entre as pedras, além de várias localidades. A palavra imbu evoca o que dá de beber e também uma árvore (Spondias tuberosa) cujas raízes matam a sede dos viajantes no Nordeste. O imbuguassu, o grande imbú, é uma localidade vizinha de São Paulo. Ipojuca, o brejo, o alagadiço, é nome de bairro na capital paulista e de várias localidades, Brasil afora. Itapecerica, evoca a pedra molhada e escorregadia, característica da umidade da Mata Atlântica. Barueri ou bariri, além de nome de cidade, evoca o local encachoeirado, a corredeira.
1 Resumo extraído do livro do autor: " A água na natureza e na vida dos homens". Editora Santuário/Idéias & Letras. S. Paulo. 2004.
2 Ayron Dall’Igna Rodrigues, Línguas brasileiras – para o conhecimento das línguas indígenas. Loyola, São Paulo, 1986.
3 Língua de intermediação e comunicação, desenvolvida a partir do tupinambá, falada no vale amazônico brasileiro, no litoral e interior até a fronteira. O termo tem sua origem em ie’engatú = língua boa.
4 Padres, textualmente: homens diferentes.
5 O cântaro e a urna funerária têm o mesmo nome: igaçaba. E a ponte, a passagem sobre o rio, é a igaçapaba.

MIRANDA, E. E. de. Água na natureza, na vida e no coração dos homens. Campinas, 2004. Disponível em: <http://www.aguas.cnpm.embrapa.br/>.  

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