Aprendendo tupi

 Através da internet é possível aprender línguas indígenas e consultar fontes de época. O professor Renato Venâncio mostra os caminhos para quem quer aprender tupi.
 
No senso comum, “civilização” e “sociedade indígena” são inimigas. A segunda sempre sucumbe frente à primeira. Essa idéia é sabidamente falsa e na internet há inúmeros exemplos demonstrando isso. Um deles diz respeito à revitalização ou mesmo a expansão da cultura indígena via on line. Sites de língua tupi revelam esse esforço.

A “língua geral” (tupi simplificado, descrito com base em parâmetros gramaticais latinos) há mais de quatrocentos conheceu seus primeiros registros escritos. Graças a isso, é hoje ensinada às novas gerações. Alguns vídeos do Youtube dão os primeiros passos nesse sentido.

Uma imensidão de dicionários de tupi, espalhados em centenas de sites, complementa esse aprendizado. Muitos desses livros reproduzem textos de época, como Arte de grammatica da lingoa mais usada na costa do Brasil, 1595, de José de Anchieta ou o Diccionario da lingua geral do Brasil, que se falla em todas as villas, lugares, e aldeas deste vastissimo Estado, escrito na cidade do Pará, anno de 1771.

Para aprofundar ainda mais esses estudos, basta navegar em direção à excelente Biblioteca Digital Curt Nimuendaju, que disponibiliza gratuitamente obras dos principais tupinólogos brasileiros e internacionais. Navegando um pouco mais, é possível acompanhar curso de tupi antigo ministrado por professor da USP, Eduardo Navarro.

Para a grande maioria dos pesquisadores e professores de história, tal aprofundamento pode não ser necessário. Explorar uma língua como um “documento” não implica em dominá-la, mas sim em estudar suas formas de apreensão. No século XVI, por exemplo, o tupi serviu para que os jesuítas catequizassem os índios, fazendo deles aliados da colonização. No século XIX, outro exemplo: historiadores ansiosos por descobrir um passado pré-colonial brasileiro e monumental, tal como estava ocorrendo no México e Peru, buscaram raízes nobres (ou seja, indo-européias) para nossos índios. O mais famoso desses historiadores, Francisco Adolfo de Varnhagen, chegou a escrever um pequeno livro em que considera os índios do litoral parentes dos antigos egípcios, L'origine touranienne des américains tupis-caribes et des anciens egyptiens: indiquée principalement par la philologie comparée; traces d'une ancienne migration en Amérique, invasion du Brésil par les tupis, 1876.

A partir de rudimentos filológicos, o autor estabeleceu comparações entre a língua dos índios e a do tempo dos faraós. Varnhagen atribui a origem  de muitas palavras a uma mesma raiz, como é o caso das que designam respectivamente, em tupi e copta, as expressões “canoa” ( ubá e uáa) e “aldeia” (taba e thebes)

Tais aproximações são superficiais e não encontram suporte científico nos dias atuais, mas revelam o quanto tradições culturais indígenas foram reapropriadas na construção do nacionalismo aristocrático do Brasil Império. Também nesse sentido essas tradições são um “documento” a respeito de nosso passado.

Renato Venâncio - Professor da UFOP

IN: http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=2924

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