Espiritualidade, ecologia, economia


Da Espiritualidade:

É a busca da inteireza: somos carne e espírito, lama e luz. Somos capazes de magia e criamos ritos, fazemos celebrações, perseguimos transcendência, aspiramos eternidades. Queremos Deus, até sem a mediação das igrejas. A fé não é anestésico contra dúvidas e medo: é iluminação das sombras de nossa caminhada terrena. É o sentido generoso de conseguir ver no próximo e em tudo que vive a face do outro, minha outra parte, irmã e diferente, essência.
Espiritualidade só existe praticada: é espiritualizar-se. É questionamento diário do aparente sem-sentido do mundo. É a não aceitação – revolucionária! – da existência como efêmera trajetória, destinada ao nada, que por isso deve ser usufruída sofregamente. É a negação radical do mundo da matéria, que o sistema capitalista, que tudo mercantiliza, tenta absolutizar, colocando na vitrine, como objeto de consumo, nosso desejo de beleza, de sabor, de fruição. A fé é sim, no melhor sentido, o que a famosa crítica de Marx "denunciou": "suspiro da criatura oprimida, coração de um mundo sem coração, espírito de uma situação sem espírito". Assim como educar é descentrar, olhar para fora e para dentro, espiritualizar-se é dotarmo-nos de grandeza, de atenção, daquilo que "é o primeiro motor da práxis humana e nos faz ver que a vida vale a pena ser vivida" (Winnicott, psicanalista,1896/1971): o amor, o sentimento solidário do mundo. Espiritualidade é ação e oração, praça e prece. Plenitude. Sereno entusiasmo (= Deus dentro de nós) de quem se percebe, humildemente, sem soberba e "cruzadismo", sal da terra e luz do mundo.

Da Ecologia:

É o reconhecimento da nossa casa comum, a Terra, em um pluriverso de galáxias em expansão. É louvar o fenômeno da articulação de elementos biológicos, físicos e químicos que, há treze bilhões de anos, produz a energia da vida. Vida da qual somos parte. Sinergia vital, complexa e delicada, que tentamos subjugar, produzindo esgotamento, envenenamento e insustentabilidade. Ingressamos numa nova era, a ecozoica: ou sobreviveremos, com uma mudança radical do nosso modo de ser, de produzir, de consumir, de conviver, ou pereceremos todos, aterrados por lixo, intoxicados por gases, envenenados do veneno que nós mesmos, na torre de Babel do "progresso", construímos.
Ecologia é atitude: reação contrária à onda de necessidades artificiais a que somos induzidos, sem fronteira com o supérfluo. Compro, logo existo: a lógica do efêmero, a "novidade" que consola.
Ecologia X videocapitalismo, deus criador do homo consumericus: não penso, não existo, só assisto. E clico, e deleto, e teclo, e ensaco, e poluo, e me endivido e me desfaço, pois há demandas futuras – que nem sei se tenho... Ser ecológico é negar a cultura da vaidade a serviço da felicidade privada. É ser arauto do realismo utópico, do inédito viável: reavaliar, reeducar, reestruturar, reciclar, reduzir, redistribuir, redemocratizar. Viver mais simplesmente, para que simplesmente todos possam viver.

Da Economia:

Economia vem do grego koinomia, referência a coletivo, oposto a particular. É, desde que nos erguemos sobre duas patinhas, liberamos braços e ampliamos a caixa craniana, o jeito humano de prover a sobrevivência, o pão de cada dia – para todos –, a continuidade da espécie. A economia capitalista, do lucro máximo e da regulação mínima, é a negação da economia: a gerência do bem comum. A economia da etapa de financeirização do capital,
que colocou quatro vezes mais recursos na especulação do que na produção e concentrou 1/5 das riquezas do mundo nas mãos de 0,001% (um milionésimo) das famílias, é desumana. A economia do mercado total choca-se com os limites da biosfera. No tão propalado "crescimentismo" para superar a crise, com o índice mínimo de 2% ao ano por uma década, precisaremos, na atual matriz energética, de duas Terras. A organização econômica predominante no mundo, ecocida, gera aquecimento global, destruição de ecossistemas, desertificação, derretimento de calotas polares, acidez dos oceanos, escassez de água – e as primeiras vítimas, como sempre, são os mais pobres, os "sobrantes". Uma outra economia é urgente, necessária e possível: baseada na racionalidade ecológica, na igualdade social, no controle democrático, no predomínio do valor de uso sobre o valor de troca. Na cooperação e não na competição. Na forte tributação das transações financeiras, no fim dos paraísos fiscais, em mais postos de trabalho e redução das jornadas, na economia solidária, nas empresas autogestionárias, no planejamento estatal participativo.

 
Chico Alencar, franciscano menor pequeníssimo, é professor de História, escritor quando Deus lhe inspira, tenta ser católico apostólico ecumênico, carioca e do mundo,

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