Paciência - Lenine




Lazer em uma sociedade globalizada: inclusão ou exclusão?


Essa única indagação carrega três elementos cruciais que delimitam as perspectivas do homem na atualidade: lazer, globalização e justiça social.
Responder à pergunta foi o principal desafio de estudiosos e conferencistas.
Robert Kurz (Alemanha), sociólogo:
O polêmico sociólogo alemão analisou o tempo livre em tempo de crise econômica: "Especialmente em época de crise é extremamente importante não perder de vista o debate emancipatório sobre o tempo livre mas, outrossim, aprofundá-lo". Infelizmente, o sistema não consegue traduzir em tempo livre a disponibilidade de ócio, mas apenas em exploração maior na busca de produtividade. Para ele, o tempo livre existe, mas na forma negativa, mercantilista. "O trabalho não é um meio para alcançar objetivos pessoais, mas sim auto-referência absurda de um sistema no qual as pessoas têm sido reduzidas a um meio. Nem os empresários são os sujeitos mas, sim, peças de um mecanismo econômico irracional. [...] Sob o jugo do mecanismo global capitalista, e especialmente em tempos de crise, não há tempo verdadeiramente livre. O assim chamado lazer não é um tempo liberado, mas sim parte do fetichismo e de suas obrigações sistemáticas."


Jorge Werthein (Argentina), representante da Unesco no Brasil:
"Estamos vivendo sob a égide da partilha desigual de conhecimento e do declínio do valor de trabalho. A utilização adequada do tempo livre é uma arma eficaz para combater essas mazelas do desenvolvimento humano. Deve ser criado, em última análise, um movimento opcional à globalização, com uma ética e consciência renovadas."


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Teixeira Coelho (Brasil), professor da ECA-USP:
"Nós temos que preparar as pessoas para o não-trabalho, por meio do aumento da participação da cultura no currículo escolar. A cultura pode unir. No século 21, ela será condição de governabilidade. Então, do uso do tempo livre para fins culturais depende, no limite, a sobrevivência da civilização humana."


Saskia Sassen (Estados Unidos), professora de Sociologia da Universidade de Chicago:
A complexidade do processo globalizante e a dispersividade de bens e divisas tornam as cidades focos muito importantes na nova composição do mundo. "As cidades tornam-se quartéis generais para as empresas modernas, que contratam mão-de-obra terceirizada de outras empresas que igualmente estão sediadas em complexos urbanos, além de prover infra-estrutura de telecomunicação - a telematic capacity. "Para a professora, há um antagonismo nessa nova concepção urbana: enquanto a globalização dispensa a necessidade de localidade fixa, as novas cidades aparecem como centros nevrálgicos que concentram as empresas. "É o que ocorre com o Times Square (um quarteirão de Nova Iorque) que em três ou quatro anos foi totalmente remodelado para receber as grandes empresas de entretenimento." A partir da nova significação do espaço urbano, criou-se uma nova relação entre as pessoas e a cidade. "Ela passa a ser encarada como um lugar exótico, onde os turistas vão conhecer tipos esquisitos e habitações inusitadas. Surgiu, em última análise, um estilo de vida urbano, próprio deste fim de século."




Raquel Rolnik (Brasil), urbanista:
"A primeira questão é definir o lazer não como aquilo que é excepcional, extracotidiano, mas como uma dimensão prazerosa do cotidiano. Se a gente for entender lazer como algo que faz parte da vida, como faz parte trabalhar, criar e outras questões, a qualidade da cidade, o desenho da cidade ou, em termos técnicos mais precisos, o ambiente construído são fundamentaispara essa sensação de prazer ou de desprazer. Temos uma noção muito clara disso dentro do enorme desprazer que sentimos em São Paulo."


Mike Featherstone (Inglaterra), professor da Universidade de Nottingham Trent:
"Vivemos na época da cultura virtual, quando a mobilidade física perdeu a força em prol da mobilidade virtual da informação." Essa tendência originou-se com a pós-modernidade e com o advento de novas características urbanas. "A cidade transformou a experiência do tempo. Criou um sentimento de neurastenia, ou seja, o excesso de estímulos (overstimulation) criou novos tipos de percepção como, por exemplo, uma aguçada visão periférica e a captação de imagens efêmeras em contraposição à contemplação que marcava períodos anteriores. Essas são as características da cultura da informação, em que tempo e espaço sofrem, embaralham-se e perdem o sentido fixo. "Está aí o princípio da globalização, ou seja, a mobilidade exacerbada de bens e divisas sem bloqueios ou fronteiras."


Milton Santos (Brasil), geógrafo:
O geógrafo refuta o fenômeno da globalização e identifica apenas elementos nocivos. Para ele o lazer espontâneo, desvinculado do consumismo implantado pela indústria do lazer, produz trabalho que o processo globalizante extirpa, por excluir um contingente imenso das oportunidades de emprego. "As formas de lazer não devem ser mediadas. Gente junta cria trabalho. É necessário certa dose de infração nas realizações humanas. Infração no sentido de não se aceitar o que está estabelecido." Da prática política do lazer depende a construção de um mundo novo, com o elemento qualitativo dominante. "Em suma, o lazer permite a plenitude da existência em contraposição à sociedade atual, que vê o homem como matéria-prima."

In: http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/revistas_link.cfm?Edicao_Id=19&Artigo_ID=308&IDCategoria=581&reftype=2

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