"Cálice"

Pai, afasta de mim este cálice



Pai, afasta de mim este cálice


Pai, afasta de mim este cálice


De vinho tinto de sangue






Como beber dessa bebida amarga?


Tragar a dor engolir a labuta?


Mesma calada a boca resta o peito


Silêncio na cidade não se escuta


De que me vale ser filho da santa?


Melhor seria ser filho da outra


Outra realidade menos morta


Tanta mentira tanta força bruta






Pai, afasta de mim este cálice


Pai, afasta de mim este cálice


Pai, afasta de mim este cálice


De vinho tinto de sangue






Como é difícil acordar calado


Se na calada da noite eu me dano


Quero lançar um grito desumano


Que é uma maneira de ser escutado


Esse silêncio todo me atordoa


Atordoado eu permaneço atento


Na arquibancada pra qualquer momento


Ver emergir o monstro da lagoa






Pai, afasta de mim este cálice


Pai, afasta de mim este cálice


Pai, afasta de mim este cálice


De vinho tinto de sangue






De muito gorda a porca já não anda


De muito usada a faca já não corta


Como é difícil, pai, abrir a porta


Essa palavra presa na garganta


Esse pileque homérico no mundo


De que adianta ter boa vontade


Mesmo calado o peito resta a cuca


Dos bêbados do centro da cidade






Pai, afasta de mim este cálice


Pai, afasta de mim este cálice


Pai, afasta de mim este cálice


De vinho tinto de sangue






Talvez o mundo não seja pequeno


Nem seja a vida um fato consumado


Quero inventar o meu próprio pecado


Quero morrer do meu próprio veneno


Quero perder de vez tua cabeça


Minha cabeça perder teu juízo


Quero cheirar fumaça de óleo disel


Me embriagar até que alguém me esqueça
 
Chico Buarque/ Milton Nascimento - 1978

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