Cinquentões

– Não, não se fazem mais velhos como antigamente.

– É verdade. Não se fazem.

– Veja você. Você está com 54. Lembra quando você era jovem, 54 era um velhinho, não era?

– Avô, avô...

– Então. E as mulheres de 54?

– Bisavós, bisavós...

– Não exagera. Avós, também. Aliás, mulher de 40 já tava velhinha. Todas de preto. Iam à igreja. A mãe da gente tinha 40, né? Era uma santa, né? Imagina se fazia os que as de 40 fazem hoje...

– Onde é que você quer chegar?

– É que a nossa geração mudou tudo. Mudou até a velhice. A gente é de uma turma que rompeu com tudo. Esse negócio de Beatles, Rolling Stone, pílula, tropicalismo, isso fez mudar tudo.

– Prossiga.

– É que a gente mudou os velhos que a gente ia ser. Veja a sua roupa. Você está vestido igual a um cara de 20, 30 anos. Você não está de terno e gravata como os cinqüentões de antigamente.

– Você está é justificando a nossa velhice.

– Que velhice, cara! Você hoje faz tudo que um cara de 20 faz.

– Mais ou menos, mais ou menos.

– A nível comportamental...

– A nível, cara?

– Desculpa, mas comportalmente falando, ficou tudo igual. O cara de hoje, com 50, não se comporta mais como um cara de 50 dos anos 50. Nivelou, entendeu?

– Explica melhor.

– As meninas também. As nossas amigas de 40, por exemplo.

– Melhor não citar nomes.

– É que hoje elas fazem coisas que a gente não poderia imaginar que a mãe da gente fizesse com a idade delas. Estão todas aí, inteiraças. Liberadas, está entendendo? Mandando ver. E nós também. Fora que tem o Viagra que – dizem, dizem – vai segurar mais pra frente.

– Você já usou?

– O quê?

– Viagra.

– O que é isso cara? Ouvi falar, ouvi falar. Mesmo porque não se conhece ninguém no mundo que assuma que já tomou. Parece que existe um acordo lá entre eles. Ninguém conta. É de lei. Mas não desvia o assunto. Eu não estou falando no desempenho sexual. Estou falando de cabeça. Nivelou tudo. E, pra sorte nossa, nivelou por baixo. Veja a roupa do seu filho. Igual à sua. Antigamente um cara de 23 se vestia completamente diferente de um cara de 53. Ou você alguma vez viu o seu pai de tênis? (nem de pênis) Acho que até para jogar tênis ele devia jogar de sapato.

– Se a gente então não está velho, vai ficar velho quando?

– Pois é aí que eu quero chegar. Não existe mais a velhice. Nos anos 60 a gente fez tanta zorra que, sem querer, garantimos o nosso futuro sem velhice. Pode escrever aí. Não existe mais velhice.

– Ficamos imortais?

– Quase. Antigamente o sujeito começava a morrer mais cedo. Ficava uns 10, 15 anos morrendo. Agora não, ela vai ficar até os 80, 90. Daí ele fica doente e morre logo. Acabou a agonia. Pensa bem: a gente está com 50. Temos mais uns 30 pela frente. Firmes. É isso, cara: não existe mais a velhice. E fomos nós que detonamos com ela.

– Mas tem o cabelo branco, as rugas, a barriguinha...

– Detalhes, cara, detalhes. O cabelo branco, a ruga e a barriguinha hoje em dia são encarados como charme. Mesmo porque os cabelos não ficam mais tão brancos como nos nossos pais. E as rugas também. Os velhos estão cada vez com menos rugas. E pra barriguinha estão aí as academias. Tem as fórmulas.

– E isso vale também para as mulheres, né?

– Principalmente. Eu estava falando nas nossas amigas de 40. Pega as de 50. Tudo com corpinho de 30. Cabeça de 20. Tão até melhores do que nós, cara.

– Peraí, a sua namorada não tem nem 30.

– E isso me preocupa. Tem cabeça de 50. De 50 das antigas. O que serve para a nossa geração, não serve para a nova geração. Resumindo: não existe velhice para a nossa geração. A gente batalhou isso. Agora essa nova geração que vem aí vai envelhecer. Se ela quiser continuar a ser como a gente, vai acabar sendo igual aos nossos pais, como diria o grande Belchior.

– Eu não estou entendendo aonde é que você quer chegar.

– Quero chegar nos 90. Me passa o uísque. Me passa o fumo. Me passa o Viagra. Me passa a saudade que eu tenho dos meus 20 anos. Me passa a vida a limpo. E mete os Beatles aí na radiovitrola. Help, please.
ESTADÃO, 24/4/1993.

In: Mário Prata. Cem melhores crônicas (que, na verdade, são 129).São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007, p. 57-59.



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