Finalistas da copa 2010


Finalistas da Copa e herdeiros de forte e rica herança cultural, holandeses e espanhóis foram rivais na disputa por um império colonial, simultaneamente ao apogeu criativo
Marcello Castilho Avellar


Robert Gossihamstra/Rijksmuseum Amsterdã/divulgação
http://www.uai.com.br/EM/imgs/ico_foto.gifAutorretrato de Rembrandt: uma das expressões máximas da revolução do jogo entre luz e sombras

Espanha e Países Baixos (o nome oficial do país, Holanda, é apenas uma de suas províncias mais tradicionais) se confrontam no futebol, mas são parceiros na União Europeia. Nem sempre foram amigos, e sua rivalidade ajudou a moldar a cultura moderna. Os atuais Países Baixos foram, durante séculos, parte do Sacro Império Romano Germânico. Quando este passou a ser controlado pela ala espanhola da dinastia dos Habsburgos, os povos que ocupavam as terras baixas ao sul do Mar do Norte, que tinham em comum línguas e dialetos próximos do holandês, começaram a se unir e se revoltaram contra a ocupação ibérica.

A independência foi proclamada em 1581 e alcançou reconhecimento internacional depois da Guerra dos 80 Anos (1568-1648). Logo depois de se libertar, os holandeses se tornaram o mais poderoso rival dos espanhóis na disputa por um império colonial. E até o Brasil entrou nessa história. Como Portugal esteve ligado à Espanha, entre 1580 e 1640, os Países Baixos atacaram o império ultramarino português, tomaram diversas colônias e fincaram pé em nosso país.

A disputa é contemporânea do período de maior pujança tanto das artes espanholas quanto holandesas, com apoio dos príncipes holandeses e dos reis espanhóis, em um dos primeiros casos de guerra cultural registrados na história: cada lado pretendia mostrar ao outro, por meio da arte, a grandiosidade que o inimigo teria de enfrentar.

Ironicamente, os dois rivais construíram trajetórias paralelas na maneira de enxergar a arte naquele período. Seus criadores assimilaram rapidamente as lições dos renascentistas italianos e acrescentaram àquelas técnicas traços próprios de suas culturas. Nos Países Baixos, por exemplo, o grande envolvimento na pesquisa de campos científicos como a óptica levou pintores do porte de Rembrandt (1606-1669) e Vermeer (1632-1675) a revolucionarem o jogo entre luz e sombras. Na Espanha, criadores do porte de El Greco (1541-1614) e Velazquez (1599-1660) abrem caminho para o barroco exatamente pela incorporação da dramaticidade da cultura espanhola às conquistas italianas.

Mesmo depois da decadência dos dois países na corrida colonial, eles continuaram contribuindo com a renovação das artes visuais: a possibilidade de uma pintura que não fingisse reproduzir a realidade exterior, mas, por meio da distorção da forma, cor ou textura, fosse capaz de representar estados interiores, é uma das tônicas na criação, por exemplo, tanto do holandês Vincent van Gogh (1853-1890) quanto dos espanhóis Francisco Goya (1746-1828) e Pablo Picasso (1881-1973).

Museu do Prado/Divulgação

Frei Hortêncio Felix Paravicino, de El Greco: um dos precursores do movimento barroco na Espanha

OUTROS CAMPOS Também a literatura floresceu quase simultaneamente nos dois países e foi influenciada pelos traços culturais locais. Por mais que os Países Baixos tenham produzido ficção, sua maior contribuição para as letras foi no campo da filosofia: eram a pátria de pensadores como Erasmo de Roterdã (1466-1536) e Baruch Spinoza (1632-1677) e sua liberdade garantiu a estrangeiros como René Descartes (1596-1650) a possibilidade de construir teorias que fugiam da tradição. Em compensação, boa parte das raízes do romance e do teatro modernos podem ser encontradas na Espanha, do Don Quixote, de Miguel de Cervantes (1547-1616), à peça Fuenteovejuna, de Lope de Vega (1547-1616).

Aquelas singularidades da “idade de ouro” da arte nos países repercutem ainda hoje. O maior cineasta holandês, o documentarista Joris Ivens (1898-1989), por exemplo, é legítimo herdeiro da obsessão pelo método que encontramos na obra dos pensadores mencionados acima. Em compensação, não é difícil encontrar na criação de cineastas espanhóis como Luis Buñuel (1900-1983) e Carlos Saura, ainda vivo, aquela vocação para distorcer as aparências que os transformou em verdadeiros mestres na arte de mostrar traços pouco evidentes da condição social ou existencial do ser humano.




In: Estado de Minas. 09 de julho de 2010. http://www.uai.com.br/em.html

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

As bolsas de mandinga

Alinhamento dos Chacras com o Pai Nosso

Fonseca - uma história de emoções