Interesse declarado

Entrevista/Paulo Roberto de Almeida

Marcelo Freitas
 
Arquivo pessoal
Não é só o Brasil que está mudando. À medida que o país se consolida como economia emergente e, ao mesmo tempo, aumenta seu poder de influência sobre as questões globais, muda também o foco dos estudos que são feitos sobre o país no exterior. Quem afirma isso é o cientista social Paulo Roberto de Almeida, pós-doutor em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas. Diplomata de carreira do Itamaraty, ele afirma que a tendência é o crescimento dos estudos de caráter comparativo sobre o Brasil. “O que se busca não é tanto a compreensão do passado, mas as oportunidades do presente e do futuro, do ponto de vista da economia global”, avalia. Paulo Robeto de Almeida é autor de 23 livros, em grande parte sobre temas ligados à política externa. Um deles – O Brasil dos brasilianistas: um guia dos estudos sobre o Brasil nos Estados Unidos, 1945-2001 (Paz e Terra, 2002) – analisa a evolução das pesquisas sobre o Brasil nos Estados Unidos. Na entrevista, ele explica as mudanças no pensamento dos brasilianistas e afirma que hoje o Brasil é um país que desperta interesse acadêmico crescente no exterior.

Como você estruturaria, por época e por temas, os estudos sobre o Brasil no exterior?
Numa visão macro-histórica, poderíamos identificar grandes fases do estudo sobre o Brasil no exterior, começando pelos primeiros exploradores, missionários e naturalistas (geralmente botânicos e zoologistas), que, dos séculos 16 a 19, “descobriram” o Brasil de modo não sistemático e sem a metodologia moderna da ciência. A partir do século 19, sobretudo com a transferência da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, começam a vir expedições científicas e de exploração geológica e cartográfica que colocam o Brasil no “mapa” da ciência moderna, diminuindo em parte os imensos claros que persistiam no conhecimento sistemático sobre o país no exterior. Essa é também a fase dos primeiros historiadores e pesquisadores estrangeiros (Southey, Handelman, Von Martius, Couty) que produzem obras dotadas de metodologias próximas às que estavam sendo utilizadas nos centros produtores de conhecimento. Já para o final do século 19 e na primeira metade do século 20, temos um fluxo mais intenso de estudiosos estrangeiros, que integram o processo de constituição de universidades modernas, na Europa e nos Estados Unidos, paralelamente à intensificação de laços econômicos e financeiros com esses centros, dos quais provinha o essencial dos investimentos estrangeiros que começavam a se dirigir ao Brasil.

Quando esse interesse ganha maior sistematização?
O estudo sistemático, metodologicamente embasado, integrado às disciplinas acadêmicas e projetos de pesquisa de base universitária, é um fenômeno mais recente, disseminado no pós-Segunda Guerra Mundial. Na era da Guerra Fria, especialmente depois da Revolução Cubana, os EUA começam a financiar pesquisas de acadêmicos americanos sobre o Brasil, surgindo o que se convencionou chamar de “brasilianismo acadêmico”, ou seja, uma comunidade de pesquisadores voltada essencialmente para o estudo do Brasil nas universidades americanas, geralmente com base em suas próprias disciplinas de trabalho (com forte ênfase na história, na sociologia, na antropologia e na ciência política, mas também de forma interdisciplinar), mas também se apoiando nos primeiros pesquisadores estrangeiros e nos grandes nomes das ciências sociais brasileiras da primeira metade do século 20 (Gilberto Freyre, Caio Prado e Sergio Buarque de Holanda). Os temas são os mesmos que estão sendo trabalhados pelos pesquisadores brasileiros (a história moderna e contemporânea, a evolução política, a formação do povo brasileiro, o escravismo, relações raciais etc.), mas os brasilianistas vêm dotados de metodologias mais rigorosas. Sua principal contribuição nessa época é o reforço metodológico e a construção dos estudos de pós-graduação no Brasil, melhorando o padrão de trabalho das universidades brasileiras, que já tinham sido sensivelmente reforçados desde a vinda de professores franceses que trabalharam na criação da USP, a partir dos anos 1930.



Quais são, hoje, os principais centros de estudos sobre o Brasil no exterior? Quais as linhas de pesquisa que predominam?
Seria preciso ficar claro que praticamente todas as universidades americanas contam com Centros de Estudos Latino-Americanos, de concepção multidisciplinar, mas mais concentrados nos estudos sociais, nos quais trabalham muitos desses brasilianistas conhecidos. Na Europa, a realidade é mais difusa, pois, com exceção da França, poucos países contam com universidades dotadas de programas sistemáticos de estudos sobre a América Latina ou o Brasil. Alguns desses centros de estudos se organizaram exclusivamente em torno do Brasil, como na Universidade Vanderbilt, no Tennessee (desde 1946), ou agora, mais recentemente, no Instituto Brasil-Jorge Paulo Lemann, da Universidade do Illinois em Urbana-Champaign. Em outras universidades existem programas de estudos, mas não centros estruturados. Um centro de estudos sobre o Brasil criado por iniciativa do embaixador Rubens Antonio Barbosa na Universidade de Oxford sofreu descontinuidade por falta de apoio do Brasil no período recente.

As linhas de pesquisa são geralmente as das humanidades, mas se observa o surgimento de estudos de escopo mais global-comparatista, a partir da maior inserção do Brasil na economia mundial e sua maior presença diplomática nos foros internacionais. O foco aqui tende a ser mais de economia e de questões financeiras e de comércio exterior.

Na relação dos principais livros do brasilianismo por você produzida, predominam temas como política e economia. Essa situação permanece ou áreas como cultura, artes e esportes já são estudadas hoje no exterior?
Hoje em dia o cenário acadêmico é caracterizado pela virtual profusão de métodos, enfoques, temas de pesquisa, com uma enorme diversidade de estudos que acompanham, grosso modo, tendências da própria academia americana: estudos de gênero (papel da mulher), ações afirmativas (relações raciais), sexualidade (com estudos sobre a comunidade gay), ambiente cultural, certamente, e também micro-história (histórias de vida etc.). Ou seja, os temas são os mais diversos possíveis, o que reflete exatamente o ambiente universitário nos quais são produzidas as obras que acabam publicadas pelas editoras universitárias e eventualmente traduzidas e publicadas no Brasil.

O fato de o Brasil ser um país em ascensão no cenário internacional contribuiu para que aumentasse o interesse pelos estudos brasileiros no exterior?
Não se pode identificar uma tendência paralela de aumento da presença do Brasil no exterior, por motivos basicamente econômicos e de investimento estrangeiro, e intensificação dos estudos acadêmicos sobre o Brasil, uma vez que a academia segue ritmos próprios e interesses focados em seus próprios campos de estudo. O que existe, sim, é um aumento muito grande de relatórios e estudos elaborados por think tanks e centros de economia internacional, que tendem a refletir o interesse de investidores e estudiosos da globalização, mas aqui com certo distanciamento em relação aos estudos brasilianistas tradicionais. O que se busca não é tanto a compreensão do passado, mas as oportunidades do presente e do futuro, do ponto de vista da economia global.

Qual a imagem que os pesquisadores estrangeiros têm hoje do Brasil? O que eles consideram como aspectos positivos e quais seriam os negativos, que ainda marcam a imagem do país? O Brasil ainda é visto como o país do samba e do futebol?
Os estereótipos tradicionais do Brasil nunca foram cultivados pelos brasilianistas, que acompanham muito de perto a nossa realidade e sabem do que é realmente feito o Brasil. Esses estereótipos permanecem, entretanto, no público médio, turistas ocasionais ou pessoas que só conhecem o Brasil pelas poucas matérias de imprensa. Não é o caso dos pesquisadores estrangeiros, que já visitaram o Brasil várias vezes e acompanham sua imprensa regularmente. Difícil traçar um quadro típico ou uma imagem frequente que esses estudiosos possam ter do Brasil, pois cada um deles é especializado numa área do conhecimento e cultiva seus próprios vieses metodológicos e suas preferências ideológicas. A geração mais antiga, dos anos 1960 e 1970, sabe dos progressos realizados pelo Brasil no plano da capacitação industrial, do desenvolvimento tecnológico, dos avanços alcançados nos planos acadêmico, científico e cultural; os mais jovens trazem seus próprios projetos de pesquisa e têm muitas conexões acadêmicas, o que os converte em interlocutores muito frequentes da comunidade universitária brasileira.Como regra geral, os pesquisadores estrangeiros não constituem mais a referência indispensável para o estudo do Brasil no exterior, pois o Brasil já adquiriu densidade em termos de produção própria, que é de certa forma incorporada nos estudos realizados por esses brasilianistas.

IN: ESTADO DE MINAS. PENSARBRASIL. 13 de novembro de 2010. p. 3-5.

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