Renda-se


O eterno recomeço da moda trouxe a renda para o flash dos fotógrafos nos desfiles de lançamento de coleções em Paris e em São Paulo. Ela voltou a aparecer como detalhe ou em luxuosas produções para a noite.
 

Numa apropriação romântica do assunto, sem nenhuma base real, podemos pensar que o véu que Penélope tecia enquanto esperava pela volta de Ulisses devia ser uma bela renda. Não que exista qualquer registro sobre rendas naquela época. Mas a Grécia daquele tempo atribuía uma grande importância ao corpo, e os véus e tecidos transparentes eram tidos em grande apreço, produzidos com fios finíssimos de linho. Mas o exagerado gosto pelas rendas que se verificou na Europa Ocidental entre os séculos 15 e 18 poderia significar que, nesse período histórico, o culto da beleza plástica das formas femininas teria atingido sua máxima expressão. No que diz respeito à Europa, não foi exatamente isso que ocorreu. A loucura pelas rendas está associada à cultura.

As rendas de Veneza, Alençon, Argentan, Valenciennes, Malines, Chantilly, Bruxelas, Milão, Genova etc. eram verdadeiras preciosidades, transmitidas como joias de família. A posse e exibição dessas rendas significavam um determinado status social – e poder. Por essa razão, seu culto partia dos dois centros de comando: a corte e a Igreja. Esse símbolo explícito de vaidade estava associado a alguns aspectos curiosos. A Igreja era a maior consumidora de rendas, que não só enfeitavam a roupa dos bispos e padres como os altares. Os homens usavam mais rendas que as mulheres – faziam guerras recobertos de rendas, e os exércitos carregavam rendeiras para fornecer seu trabalho para a tropa. Usadas pelas mulheres, eram sinal apenas de status, uma vez que só a nobreza e a alta burguesia tinham acesso a elas.

A dificuldade da produção era um dos principais motivos para sua valorização. Artesanais, as rendas podem ser divididas em três grupos principais: as de agulha, executadas com agulhas de costura e um fio sobre suporte provisório de papel; a “de bilros”, que aprendemos a tecer com os portugueses, e o crochê. A de agulha nasceu em Veneza, no século 15, mesma época da renda de bilros, e a mais antiga referência que se conhece desse tipo de trabalho consta de uma partilha de bens realizada por família italiana em 1493. Por isso, alguns historiadores acreditam que a de bilros é anterior à de agulha. A de bilros era produzida na Itália; a de agulha, em Veneza – que, nessa época, era uma cidade-estado independente.

Paris descobre a renda Catarina de Médicis foi quem introduziu o uso da renda na corte francesa – e o modismo foi tão desenfreado, que o dinheiro gasto na sua importação praticamente esvaziou os cofres da França. O baque foi tão forte que o rei promulgou um decreto que proibia seu uso. Daí para descobrir que em lugar de importar era melhor produzir foi um pulo. A Revolução Francesa significou um golpe mortal para as rendas. A maior parte dos centros produtores foi fechada – e jamais reaberta, mesmo quando Napoleão Bonaparte se interessou pessoalmente pelo assunto. Outro golpe mortal para a renda ocorreu no princípio do século 19, com o aparecimento do tear mecânico e das máquinas que industrializaram o produto, tornando-o acessível a todos.

Nas idas e vindas das tendências da moda, a renda nunca desapareceu completamente das coleções, seja vestindo noivas e debutantes, seja detalhando modelos toaletes. A alta-costura francesa tem nesse tipo de produto um grande aliado. Por causa disso, nesta época de retornos, a renda reapareceu gloriosa, em vários dos desfiles realizados em Paris. O que repercutiu aqui, nas semanas de moda de São Paulo e Rio de Janeiro. Na coleções de inverno, aparece em vestidos longos ou curtos, detalhando estilos ou criando glamour e sofisticação. 

In: Estado de Minas. Feminino & Masculino, domingo 13 de fevereiro de 2011, p. 5.

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