Candango: pequena história de uma palavra







Por Ana Maria

"Quando cheguei em Brasília, em janeiro de 1959, a palavra candango era usada para designar apenas os operários que trabalhavam na construção da cidade. Tinha uma acepção que representava o preconceito existente contra os nordestinos chegados um ano antes, retirados de uma grande seca. Depois perdeu seu caráter pejorativo e passou a incluir todos os pioneiros que trabalharam na construção de Brasília, acabando por abarcar os moradores da cidade, em geral. Hoje, como uma espécie de homenagem, justíssima, é um gentílico para todo aquele que nasce em Brasília.

É linda a palavra, parece nome de uma planta que alucina, parece um som de tambor, uma reverberação, um ruído primordial... Candango tem etimologia controversa, mas certamente é de origem banta. Em Cuba, país de fortíssima presença africana, candango significa bobalhão, mentecapto, doentio, enfraquecido... Li em algum lugar que ela teria vindo de uma palavra africana equivalente a “iludir com lisonjas”. Ortiz vê essa palavra como originária do quicongo, kunda, que é encurvar-se, dobrar a espinha, render homenagem, ou adorar, o que parece sensato, como anterior à sugestão pejorativa, pois primeiramente os africanos teriam se curvado aos estrangeiros negociantes, depois os teriam visto como ilusores, em seguida como captores inimigos. Tudo isso faz sentido, usando-se um pouco de imaginação.

Aqui no Brasil, a palavra candango percorreu um caminho sinuoso. Meu dicionário Aurélio diz que ela nasceu de kungundu, diminutivo de kingundu, em quimbundo. Kungundu exprimia, para os nossos escravos africanos, a idéia de ruim, ordinário, vilão. Era a designação que eles davam aos portugueses dedicados ao infame e rendoso tráfico negreiro. Essa palavra carregava significados tão pesados e maus, que só era pronunciada na intimidade da conversação na senzala.




O dicionário etimológico localiza a palavra candango no finalzinho do século 19, mas eu acho que é bem mais antiga aqui por estas plagas, porém de uso oral, popular, sem registro. Secreta. Caiu em desuso a acepção de indivíduo ruim, sem valor, ou pessoa de mau gosto. Ressurgiu em Brasília nos anos 1950, não se sabe como, provavelmente levada pelos afro-baianos, ou afro-pernambucanos, pelos descendentes dos escravos das senzalas, que acorreram à cidade para trabalhar na construção. Os operários de Brasília, no tempo da construção, eram conhecidos como piões, uma palavra também usada para os operários fabris, mas que em Brasília fazia uma alusão à alta-rotatividade dos trabalhadores da construção civil. No livro de Nair H. Bicalho de Sousa, o pedreiro João, construtor da cidade, contou que era o presidente Juscelino Kubitschek quem usava a palavra candango para nomear os operários, talvez consciente de que eles não gostavam de ser chamados de piões, que consideravam palavra apriorística. “Eu acho que negócio de pião que eles fala assim, é quase que um desfazimento na classe operária...” (carpinteiro Agripino). Ou, como era bom político, nosso presidente teria encontrado uma nova palavra que apagava a ideologia residente nas denominações pião ou operário... Aquela, expressando uma forma de excluir os trabalhadores do processo oficial.

Diz o pedreiro João: “Esse nome, o que chamava pião, é porque Juscelino chamava o povo candango, né? Que até eu mesmo cansei de ver ele mesmo dizer que era nós candango. E ele dizia era assim, num era só candango, não. (...) Esse nome (candango) apareceu aqui mesmo em Brasília, porque pião é uma pessoa lá pro Norte, pra esses lugar por aí, é uma pessoa que amunta, que é amansador de animal, então, que tem esse nome (pião). Então é o nome, então, eles chama pião. Aqui é homem de obra, em vez de chamar operário, chama é pião.” Candango, então, teria nascido com uma conotação política."

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