Manifestações Culturais de origem africana

“O festejo do Reinado [ou Congado] nasceu das práticas rituais desenvolvidas nas irmandades negras coloniais. Como se sabe, as confrarias surgiram na Europa medieval, encontrando no período moderno a sua idade de florescimento e expansão. Apareceram como instituições marcadas por funções caritativas e religiosas. [...] Em Portugal da idade moderna, as confrarias eram consideradas como uma das principais instituições de enquadramento social, disseminando-se por todo o império colonial e constituindo-se em um dos pilares da colonização portuguesa. [...] Além disso, forneciam oportunidades de inserção social, promoção hierárquica e reconhecimento social em um mundo caracterizado pela mobilidade e fluidez. Dessa forma, na colônia brasileira, construída com os esforços da mão-de-obra escrava, a inserção dos africanos em confrarias aparecia como a solução mais natural para os problemas de integração e evangelização.
Nesse contexto, o estabelecimento das confrarias negras acompanhava a fixação dos portugueses em áreas com alguma densidade populacional africana. As primeiras confrarias negras de que se têm notícia no império colonial português pertenciam ao orago de N. Sra. Do Rosário. [...] No final do séc. XVI, registram-se indícios de sua presença no Brasil e, ao mesmo tempo, nas possessões africanas do império lusitano.[...].
Em Angola, a área mais importante de fornecimento de escravos para as regiões mineradoras, na segunda metade do século XVIII, confrarias do Rosário familiarizavam os africanos com seus cultos e práticas. Parece certo que alguns africanos, antes da imigração forçada, tivessem contato e/ou participassem da vida associativa em África, recuperando, no Brasil, certos elementos desta experiência.[...]
Em fins do séc. XVII, no início da ocupação do território mineiro [...] existia, portanto, tradição persistente, em Portugal, na África e nas regiões litorâneas brasileiras, de desenvolvimento da vida religiosa nos quadros da sociabilidade confrarial. Em Minas, mesmo antes do estabelecimento das estruturas administrativas e judiciárias, os colonos agregavam-se em irmandades. A proibição da permanência de ordens religiosas, no início da colonização do território, tornou a região solo fértil para a difusão de irmandades, com destaque para as negras. [...]
A Irmandade de N. Sra. Do Rosário, devoção negra, era a confraria mais difundida em Minas colonial, sendo seguida de perto pela Irmandade do Santíssimo Sacramento, associação geralmente mais identificada com os brancos. Foram criadas 82 confrarias negras do Rosário neste período, e a mais antiga parece ter sido a do Rosário do Alto da Cruz de Vila Rica do Ouro Preto, fundada em 1711. Cada freguesia mineira tinha praticamente um Rosário nos seus limites.
O Congado [ou Reinado], tal como o Maracatu, nasceu, durante o período colonial, nas confrarias negras. Integrado às cerimônias do Reinado, constituía o ponto alto da festa de N. Sra. Do Rosário e das demais devoções dos africanos: S. Benedito, Santa Efigênia, N. Sra. Das Mercês e Santo Antônio de Catagerona. [...].”
( Marcos Magalhães)
                                                  Igreja de Nossa Senhora do Rosário

“A escravidão não destruiu automaticamente hábitos, maneiras de pensar e sentir de suas vítimas. A diáspora, entretanto, impediu que os complexos sistemas sociais, políticos e religiosos dos povos da África Centro-Ocidental – região Congo, Angola até Moçambique, em que predomina o grande tronco lingüístico-cultural banto – fossem integralmente transpostos para cá. Este encontro de culturas diferentes, no contexto de dominação pelos colonizadores portugueses, produziu uma manifestação cultural mestiça. Vários elementos das manifestações religiosas e da cosmovisão banto, em sua versão cristianizada, fluíram para as festas de devoção negra no Brasil, provocando um deslocamento sígnico: a tradução da devoção aos santos católicos efetivada por um ritual marcadamente africano na concepção, na forma de organização, na estruturação simbólica, e na própria visão de mundo.”
(Sebastião Rios)

O Congado está diretamente ligado à história do aparecimento de N. Sra. do Rosário, fundadora das irmandades dos homens pretos. Uns contam que Nossa Senhora apareceu no Brasil, dizem outros que foi na África. Os congadeiros contam diferentes versões dessa história.
Dona Dolores de Uberlândia conta:
A versão do meu avô, é que N. S. do Rosário, ela apareceu, então, pediram pra ela pra, ela aparecia. Naquela época era escravo. Aquele sofrimento, pois ce sabe que nois, era uma vida muito sofrida, ainda é até hoje, hoje não sofrida, hoje existe racismo. Mas o sofrimento nois não aceita mais, hoje existe o racismo, eles fala que não mas existe. Então N. S. apareceu e eles levaram ela pra igreja e no outro dia ela tava na mata de novo, vieram pegaram ela levou pra igreja, e no outro dia ela tava na mata de novo. Ai então eles convidou. Ai os negro moçambiqueiro pediu se eles podia cantar pra ela, tinha que pedi o senhor do engenho, que era escravo. Então pediu se podia canta pra ela, e diz que quando os moçambiqueiro, porque o meu terno é marinheiro, não é mocambiqueiro, canto pra N. S. do Rosário, ela andou e foi pra igreja e não saiu mais, Mas cada um conta uma versão. A verdade eu não sei. Essa é a que meu avô contava pra nois. Aí ela ficou na igreja, porque ela não ficava na igreja, levava para igreja e ela ia pro mato.
O capitão Zé Rosa, do Terno de Moçambique de Formiga, canta a história assim:
Ôcompanhia / nossa mãe quando apareceu / apareceu em rocha de pedra / foi sô vigário buscar nossa mãe / nossa mãe não veio / foi banda de música / nossa mãe não veio / foi congadeiro / nossa mãe não veio / foi catopezeiro / nossa mãe não veio / foi congadeiro / nossa mãe não veio / foi vilãozeiro / nossa mãe aluiu / Ô companhia / com moçambiqueiro / nossa mãe saiu. (Capitão Zé Rosa, CD “dos mistérios”, faixa 2)
Imagens:




O Reinado em si, ele é uma coisa de humildade. Porque foi uma coisa criada com muito sacrifício, com muita pobreza, com muita humildade, com muita raça, muita fé, sabe? Eu, por exemplo, passei a dançar calçado tem pouco tempo pra cá, toda a vida a gente dançou descalça... A coisa era difícil, meu filho. Os fazendeiros, as pessoas ricas tinha pavor da gente, que eles falava que aquilo era bruxaria, era macumbaria. Hoje, eu, por exemplo, que passei por isso, que acompanhei tudo essas coisa que to te contando, hoje eu tenho uma gratidão muito grande, que é um orgulho que eu tenho dentro de mim... que a gente nunca que poderia um dia sonhar que um terno de moçambique, uns negro, ia entrar numa casa conforme essa. Então eu sinto isso como uma graça de Nossa Senhora do Rosário. Uma bênção muito grande... Gerações e gerações e a gente veio, lutemo demais, Nossa Senhora! E a sociedade hoje acolhe a gente, graças a Deus. Hoje eu sinto assim como uma guerra vencida.
(Capitão Júlio Antônio, Terno de Moçambique de Perdões)

SUGESTÃO DE TRABALHOS EM GRUPO

  •  Durante os festejos, entrevistar e fotografar/filmar ternos (ou guardas) específicos e a corte. 
  •  Identificação: nome do terno, santo de devoção, nome e função do entrevistado. 
  • Adaptar o número de grupos a sua especificidade, a partir da sugestão abaixo.


Grupo 1 – terno(s) de moçambique.
Grupo 2 – terno (s) de vilão.
Grupo 3 – terno (s) de congo.
Grupo 4 – terno (s) de marinheiro.
Grupo 5 – terno (s) de catopé.

Sugestão de temas a serem abordados nas entrevistas com os membros dos ternos:

1 – Sobre as origens do Congado
2 – sobre a origem do terno e sua posição na hierarquia da festa
3 – sobre a função do capitão e importância do bastão e do apito
4 – Instrumentos utilizados pelo terno
5 – Sobre a importância do congado
6 – Sobre o racismo
7 – Sobre o por que do nome Congado (ou Reinado), e do nome do terno

Grupo 6 – corte (reis e rainhas congos e perpétuos; reis e rainhas de promessa; mordomos)

Sugestão de temas a serem colocados para os entrevistados:

1 – Como foram escolhidos
2 – O que os levou a participar da festa
3 – Qual a importância do congado
4 – Sobre o racismo


FONTES:
Litografia de Rugendas 
(Verbete “Sincretismo” em Vainfas, R. Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001) e do depoimento de Dona Dolores de Uberlândia, foi extraído do encarte que acompanha os CDs “Reinado do Rosário de Itapecerica MG: da festa e dos mistérios”. Produzido, em 2005, pela Associação do Reinado do Rosário de Itapecerica e por Viola Corrêa Produções Artísticas. Patrocínio: Minc e Petrobras.

Glossário:
Orago: santo a que é dedicado um templo, capela ou povoação; padroeiro.
Diáspora: dispersão de povos, por motivos políticos, religiosos, etc.
Sígnico: relativo a signo, sinal indicativo, símbolo.
Banto: grupo de línguas africanas da família níger-congo, que compreende cerca de trezentos idiomas falados ao sul da linha Camerum-Quênia, todos muito semelhantes na estrutura.



                                                     Capoeira - Debret


“Numeroso foi o contingente de escravos bantos trazidos para o Brasil. A influência por eles exercida sobre os costumes, religião e superstições nacionais foi profunda e marcante. Provenientes principalmente das possessões portuguesas de Angola, Moçambique e Guiné, trouxeram muitas lendas, mitos e tradições; sua contribuição folclórica e etnográfica frutificou e reforçou os elementos já existentes no Brasil, através de sua participação entusiástica e predileção viva pelo canto e dança coletivos. Os indígenas também possuíam esse encanto pelas danças de roda, instrumentos de sopro e cantos, mas o negro valorizou essas constantes no seio da sociedade em formação. [...] O nome ‘bantos’ compreendia todos os negros africanos que outrora abasteciam o mercado de escravos do Brasil. Sua popularidade afirmou-se no século XVII, nas agremiações e irmandades de N. Sra. do Rosário, quando passaram a tomar parte ativa nos autos populares, representando os papéis mais humildes ou vistosos, mas sempre de realce pessoal, com que defendiam suas tradições e festas sob a égide católica. São bantos os préstitos do maracatu do carnaval pernambucano e as congadas vistas em todo o território brasileiro. A cuíca e o berimbau-de-barriga foram por eles trazidos da África; a capoeira tanto quanto o complexo etnográfico do samba também deveram a eles sua difusão no Brasil. O ciclo do quibungo, circunscrito à zona litorânea da Bahia, é exemplo de sua contribuição à tradição oral brasileira.” 
(Fonte: Grande Enciclopédia Delta Larousse, 1972, vol. 2)

Comentários

  1. Francinilton. Juazeiro do Norte-ce, convido a voçês a conhecer o meu blog que também fala à respeito das origens africanas. O meu blog é: www.roquebeatodopadrecicero.blogspot.com

    Obrigado pela a atenção!
    Meu e-mail para contato é: beatoroque@gmail.com

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  2. É sempre bom ter mais conhecimento pela história do nosso país!

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