As irmandades religiosas de africanos e afrodescendentes
O século XIX recebeu de herança o que ficou conhecido por .religiosidade colonial ou catolicismo barroco., como mais recentemente denominou João Reis. Ou seja, um catolicismo marcado pelas espetaculares manifestações externas da fé presentes nas pomposas missas.celebradas por dezenas de padres e acompanhadas por corais e orquestra., nos funerais grandiosos, procissões cheias de alegorias., e nas festas, onde centenas de pessoas das mais variadas condições se alegravam com a música, dança, mascaradas e fogos de artifício. (REIS, 1991, p.49)
Havia igrejas separadas e dias diferentes para suas celebrações. Tratava-se de um ritual de inversão: eles podiam desfilar no espaço público como se fossem civilizados, porque eram católicos. Pelo menos enquanto duravam as celebrações de Nossa Senhora do Rosário, podiam ser vistos e conseqüentemente se ver, como seres humanos plenos. Ao mesmo tempo, usavam tambores, melodias e vestimentas africanas que de alguma maneira podiam manter viva sua herança cultural africana.
Enquanto, as irmandades brancas tendiam a reproduzir canções, danças e roupas
portuguesas, as irmandades negras seriam uma primeira instância de preservação de tradições de origem africana, muito embora pudessem copiar melodias da igreja católica.
O importante é que elas não faziam a mera imitação do comportamento das irmandades brancas portuguesas, dramatizando o tempo todo a condição dos negros. Sua celebração tinha um sabor próprio. Eles estariam dizendo: .São os negros que agora estão cantando. E também incorporariam suas posições sociais nas canções, sempre dentro de uma estrutura cerimonial de negociação: celebravam festividades de um santo católico junto com uma recuperação de tradições africanas míticas e religiosas. (...)
Igreja de Nossa Senhora do Rosário e de São Pedro - Mariana - MG
Os angolas se acomodavam em muitas irmandades, sobretudo as dedicadas às de Nossa Senhora do Rosário, as mais numerosas e disseminadas por todo o Brasil.
Provavelmente, os angolas foram os primeiros a criarem confrarias, pois foram os primeiros africanos importados em massa para o Brasil, precisamente para Bahia.
Julita Scarano e Célia Borges, estudando as irmandades do Rosário de Minas Gerais, identificam uma grande variedade de grupos africanos. Nestes levantamentos aparecem tanto grupos étnicos quanto de procedência. Julita Scarano mostra que nas irmandades mineiras predominam os minas e os nagôs. Em sua tese, Célia Borges apresenta um levantamento do livro de entrada de associados da irmandade de N. S. do Rosário, de Mariana. Entre os anos de 1750 e 1760, arrola um total de 283 entradas de irmãos sudaneses, assim discriminados:
140 minas, sessenta couranas, sete cobus e um dagomé, erradamente incluído entre os bantos.
Nas irmandades da população de origem africana havia ocasiões especiais como a coroação de Reis e rainhas dos Congos, os quais eram eleitos anualmente no âmbito da irmandade. Como decorrência da presença do rei, da rainha e dos governadores de profissões e de .nações. Os .homens pretos. do Rosário organizavam-se para a festa com base em suas diferenças étnicas e de procedência. Aqui se cruzavam duas tradições peculiares, mas nem por isso excludentes, por um lado, a ostentação barroca, comum a todos os grupos sociais do período, e por outro a africanização do catolicismo, iniciada na África Centro . Ocidental mas continuada com requinte e sofisticação no Novo Mundo.
A coroação ocorria no dia da festa de Nossa Senhora do Rosário, Rei e Rainha do Congo representavam um sistema de governo africano na medida em que possuíam autoridade sobre seus .súditos. e preservavam aspectos culturais e sociais da África, contribuindo para a integração e solidariedade dos negros no Brasil. (QUINTÃO, 2000, p. 166)
Constata-se que as irmandades dos africanos e afrodescendentes, fundamentalmente a do Rosário, fundam os seus templos próprios e promovem neles o culto a santos de sua cor. Com isto, há o surgimento de altares laterais para tais santos na Irmandade do Rosário. Nesse interím, os afrodescendentes que aderiram ao cristianismo, já teriam assimilado a proposta cristã de inserção negra na Cristandade. Tal certeza da presença negra no mundo cristão, agora reconhecido não apenas como europeu, mas também como africano, o levará a promover o culto aos santos símbolos desta presença negra na história do cristianismo.
Leia na íntegra in: http://revistas.udesc.br/index.php/percursos/article/viewFile/1525/1287
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