Arte tecida na fé

Restauradores de São João del-Rei, no Campo das Vertentes, estudam, há 10 anos, a obra de um escultor do século 18 que produzia, em Minas, imagens de santos em pano, técnica rara no país

Gustavo Werneck

FOTOS: BETO NOVAES/EM/D.A PRESS





Santo Antônio com o Menino Jesus e Nossa Senhora das Dores, mais dois símbolos da beleza dos trabalhos do autor





A arte barroca chegou ao século 21 com todo o esplendor das imagens de santos esculpidos em madeira e barro e realçadas por pinturas vibrantes e douramentos. Agora, dois restauradores formados em história abrem as cortinas para outra matéria-prima, o tecido de algodão, que modelou peças igualmente belas e presentes em altares de igrejas de São João del-Rei, Tiradentes e Prados, no Campo das Vertentes. Depois de 10 anos de pesquisas, eles identificaram a autoria do artista Rodrigo Francisco Vieira, que viveu no século 18 e foi responsável também por esculturas produzidas nos suportes tradicionais. Os estudos sobre a técnica e a obra permitem, hoje, que eles recuperem o delicado acervo existente e joguem mais luz sobre esse surpreendente tesouro das Gerais.



São João del-Rei No ateliê instalado num casarão do Bairro São Judas Tadeu, em São João del-Rei, a 185 quilômetros de Belo Horizonte, o restaurador Carlos Magno de Araújo faz, com a espátula, o nivelamento da policromia numa cabeça da Virgem Mártir (30 centímetros de altura), pertencente ao acervo do Museu de Arte Sacra da cidade. Ao lado, esperando o mesmo tratamento, está parte de outro santo de roca, possivelmente de Nossa Senhora das Mercês (26 centímetros). Ele para o trabalho por alguns instantes e mostra, com cuidado, as camadas de tecido, amarelecidas pelo tempo, componentes do objeto sacro do século 18. O impacto é absoluto, pois os olhos mineiros estão acostumados a admirar, sempre, nos altares, esculturas de madeiras nobres, como o cedro ou barro, jamais de pano.

Ao lado, Edmilson Barreto Marques, sócio na empresa Anima, conta que o escultor Rodrigo Francisco Vieira dominou uma técnica rara no Brasil colonial, embora conhecida em países de colonização espanhola e situados na Cordilheira dos Andes, caso da Bolívia, Peru e Equador: “Encontramos mais de 40 peças de sua autoria aqui no Campo das Vertentes, das quais a metade foi produzida em tecido de algodão. A versatilidade era sua marca registrada. Há três imagens de Santo Antônio, com as mesmas características, sendo uma de madeira na Igreja de Nossa Senhora da Penha de França, no distrito de Vitoriano Veloso, conhecido como Bichinho, em Prados, uma de barro de coleção particular e outra de tecido pertencente à Igreja Matriz de São Miguel de Cajuru, no distrito de mesmo nome, em São João del-Rei.

A identificação do autor contou ainda com a referência de um documento, datado de 1753, com o nome de Rodrigo Francisco Vieira, no qual ele recebe pagamento pela execução de uma imagem de São Joaquim para a Matriz de Santo Antônio, na cidade. O recibo foi encontrado pelo pesquisador Olinto Santos Filho. “Mas ainda vamos precisar de muita pesquisa para sabermos se o Mestre de Vitoriano Veloso era mineiro ou português. O certo é que ele trabalhou nesta região”, adianta Edmilson.




Em Prados, mais um exemplo do magnífico trabalho dos artistas do tecido: a figura de Nossa Senhora do Rosário, guardada na igreja dedicada à santa

FRAGILIDADE Devido à fragilidade, as peças sofreram com as chuvas, umidade presente no interior das igrejas seculares, e com os maus-tratos, muitas desaparecendo sem deixar vestígios. Carlos Magno aponta algumas sequelas nas cabeças das santas em restauro, como cortes, afundamento e perda de material. “É o tipo de imagem delicada, que estraga com facilidade. O bom é que conseguimos entender a técnica e desenvolver métodos, bem distintos dos demais, para salvá-las da destruição”, informa. As pesquisas sobre esse peculiar “barroco de pano” começaram no Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis (Cecor) da Escola de Belas Artes da UFMG, na qual foram recuperadas uma cabeça de São João Evangelista e uma Nossa Senhora do Parto. Os dados preliminares sobre o trabalho foram publicados no Boletim do Centro de Estudos da Imaginária Brasileira (Ceib) da instituição.


In: ESTADO DE MINAS. Gerais. Domingo, 18 de julho de 2010, p. 28-29.

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