Ser professor
HISTÓRIA VIVA
Resgate da dignidade do magistério exige adoção de políticas públicas amplas, sendo a primeira medida o aumento expressivo e atualizável dos salários de profissionais
Lucilia de Almeida Neves Delgado
Euler Júnior/EM/D.A Press
Museu da Escola de Minas Gerais: quando o mestre era respeitado e valorizado socialmente
Alguns anos atrás, em 1996, quando fui pró-reitora de graduação da UFMG, visitei uma importante escola particular de Belo Horizonte, a convite da direção daquela casa, para participar de um debate com alunos do 2º e do 3º ano do ensino médio. O tema era: escolha profissional. Minha tarefa seria dupla. Relatar minha experiência como professora, que é bastante diversifica e longitudinal – inclui magistério para curso supletivo, cursinho pré-vestibular, ensino fundamental (5ª e 6ª séries), ensino médio, universidade privada e universidade pública (cursos de graduação e pós- graduação), e fornecer informações sobre as potencialidades de diferentes carreiras profissionais. Participavam da mesma mesa um jornalista, uma delegada, um médico e um arquiteto.
Sabia de antemão que os alunos estariam mais interessados em obter informações sobre o vestibular e as diferentes profissões do que sobre a difícil e pouco reconhecida atividade de professor, em especial sobre o exercício do magistério nos ensinos fundamental e médio. Por isso levei comigo informações sobre a previsão de remuneração profissional no início e no decorrer de diferentes carreiras, áreas possíveis de atuação das inúmeras profissões, relação candidato/vaga no vestibular, formas de ingresso no mercado profissional e dados estatísticos sobre evasão de estudantes nos cursos universitários.
A plateia, cuja média de idade era de 17 anos, mesclava posturas de atenção, inquietação e curiosidade. Foi uma manhã animada, em que os sonhos de muitos adolescentes eram traduzidos por perguntas que traziam em si perspectivas. Quase encerrado o evento, eu só havia respondido a perguntas sobre os assuntos que já previra seriam os mais estimulantes. Nenhum estudante, nem um sequer, solicitou meu testemunho sobre minha dupla experiência profissional, de ser historiadora e de ser professora. Nem mesmo sobre o magistério superior na UFMG, que é a mais importante universidade pública de Minas Gerais e uma das melhores do Brasil, foi formulada qualquer pergunta.
Um pouco perplexa, buscava uma forma de introduzir informações sobre a vida profissional de professores, em seus diferentes níveis, quando uma mão se levantou e um adolescente que revelou traços de determinação fez a seguinte declaração seguida de uma indagação constrangedora:
– Como a senhora, eu gosto muito de história e, mais ainda, de literatura, mas não quero e não posso ser professor. Não quero, pois tenho a impressão de que mesmo o professor universitário ganha muito pouco. Também não me imagino dando aulas em escolas e cursinhos, correndo para lá e para cá e perdendo a voz com poucos anos de trabalho. História ou letras serão meus segundos cursos, quando, já formado em direito e com carreira profissional definida, puder me premiar com a realização de um sonho. E mais: gosto dos meus professores, mas tenho pena deles. Correm o dia todo e ainda precisam lidar com alunos muito mal-educados. Não quero que a minha vida seja correr muito, ganhar pouco, corrigir pacotes de provas e exercícios e também todos os dias encontrar alunos que acham que sou empregado deles.
E em seguida:
– A senhora concorda comigo? Como a senhora se sente como professora? Seu salário dá para viver com conforto? Ele é só seu ou vai também para a família? Qual é o modelo, marca e o ano do seu carro?
Mesmo com grande experiência de falar em público, por alguns minutos, senti-me constrangida frente à sinceridade quase indelicada do estudante. Mais do que isso, fiquei um pouco chocada pela expressão, sem qualquer espécie de censura, do que ele considerava valor. Ter um carro novo e de grife.
Imediatamente levantei-me para responder-lhe. Resolvi falar de pé, pausadamente, com a voz alta e olhando firmemente para meu interlocutor e para toda a plateia. Ao chegar em casa, escrevi um e pequeno texto reproduzindo minha fala. Acho-o ainda muito atual.
“Caro aluno, ser professor universitário é para mim uma realização incomparável. Escolheria o mesmo caminho caso pudesse voltar no tempo e prestar novamente vestibular. Quando jovem, pensei também em ser jornalista. Mas o chamado da história, naquela fase da minha vida, foi mais forte. Gostaria de lhe dizer e a todos os seus colegas que, cada vez que uma turma se forma e constato que um pouco da minha contribuição está marcada na vida de um aluno, ou de alguns alunos, sinto-me feliz e renovada. Aliás, com o tempo, vocês sentirão o quanto é importante poder sentir a brisa da renovação no correr da vida. Gosto muito de trabalhar em uma universidade como a UFMG. Lá, além de dar aulas, faço pesquisas e oriento teses e dissertações na pós- graduação. Vivo em estado de permanente desafio. Preciso estar sempre atualizada, ler muito (livros e jornais), dar boas e estimulantes aulas, participar de bancas e congressos. Meu cotidiano é muitas vezes cansativo. No final dos semestres letivos chego, não raro, ao limite de minhas forças, mas nunca pensei em desistir. E para chegar aonde hoje estou prestei três concursos para ser professora universitária e defendi dissertação de mestrado e tese de doutorado. O investimento em formação e atualização é grande e não pode cessar. Meu carro não é nenhum modelo de requinte e luxo, mas me serve muito bem. Venha comigo ao estacionamento para conhecê-lo. Corresponde à possibilidade de compra de um professor universitário, com carreira completa. O que ganho é suficiente? É suficiente no limite e muito pouco e injusto se comparado à remuneração de outros profissionais de nível superior com o mesmo tempo de carreira que tenho. Mesmo assim, sinto-me realizada e, como diz Gonzaguinha, começaria tudo novamente. Mas você não deixa de estar coberto de razão. Ser professor no Brasil é muito desafiante e pouco compensador. Vamos pensar, por exemplo, na realidade do professor dos ensinos fundamental e médio da rede pública. Sua remuneração é vergonhosa, irrisória e desrespeitosa. Para sobreviver, muitos trabalham três turnos, em escolas diferentes e quase sempre distantes umas das outras e ainda cumprem um quarto horário de trabalho, em casa, corrigindo provas e preparando aulas. Além disso, participam da organização de atividades extraclasse, como festas, olimpíadas e exposições. E, se alguma das escolas onde trabalham estiver situada em área de risco, sentem-se inseguros e têm de lidar com a indisciplina, quando não com a agressão cotidiana de alunos que não têm qualquer estímulo para estudar. Com frequência, muitos desses professores são acometidos por estresse e por várias doenças profissionais com constância assustadora. Por isso, quando no início das aulas dos primeiros períodos das licenciaturas perguntamos qual é o objetivo profissional dos alunos recém-matriculados nas universidades, a resposta imediata não é jamais a de ser professor do ensino básico e médio. A grande maioria afirma que pretende ser professor universitário e abraçar a carreira acadêmica. Se eu falasse diferente para vocês, estaria mentindo.”
Competição e violência Hoje, passados alguns anos daquela manhã de setembro, que muito me impressionou, as informações sobre o cotidiano dos professores são ainda mais dramáticas. De lá para cá, as condições de exercício de magistério estão ainda mais difíceis. No mundo e no Brasil, o individualismo e a competição cresceram de forma assustadora; a violência urbana ganhou dimensões preocupantes e dar aulas em áreas de risco é ainda mais perigoso e nada estimulante. Por isso a procura pelos cursos de licenciatura nos vestibulares tem caído de forma assustadora. Tal fato em muito contribui para puxar o nível da maioria de seus alunos para baixo. Além disso, grande parte dos estudantes que neles ingressam os abandonam em torno do segundo ano de faculdade. O índice de evasão chega a 90% dos alunos que ingressam. Nas universidades públicas, em cursos de licenciatura das áreas das ciências exatas, é histórico e estarrecedor.
Nas escolas públicas e em muitos colégios já faltam professores de matemática, geografia, física e química. E em menos de 15 anos, segundo previsões das autoridades escolares e governamentais, faltarão professores em cerca de 80% das escolas brasileiras. A não ser no ensino superior, quase ninguém mais quer ser professor.
A situação é grave e requer adoção de políticas públicas holísticas, que incluam, em primeiro e absoluto lugar, aumento expressivo e atualizável dos salários de professores em todos os níveis de magistério. O piso salarial de R$ 900, estabelecido para vigência a partir deste ano para todas as escolas públicas do Brasil, é um ganho importante, mas ainda inexpressivo, em especial para os professores das grandes cidades, onde o custo de vida é alto. É preciso também considerar-se a necessidade de estabelecer um número adequado de alunos por sala de aula e a adoção de medidas que tragam maior segurança para as escolas e para seus alunos, professores e funcionários.
Outras medidas que precisam de empenho público são referentes ao adoecimento de professores. Fora os problemas vocais e auditivos, que são clássicos no cotidiano do exercício da docência, um grave mal tem acometido, em larga escala, em especial, a comunidade de professores das escolas de ensino básico e médio. Trata-se da síndrome de Burnout, caracterizada pelos seguintes sintomas combinados ou isolados: dores de cabeça, tonturas, tremores, falta de ar, oscilações do humor, distúrbios do sono, dificuldade de concentração, depressão e angústia. Todos provocados por sentimentos de exaustão, frustração, incapacidade, desmotivação e extremo cansaço.
Na área da educação não há milagres possíveis. Algumas iniciativas, de fato, têm contribuído para a melhoria das condições de exercício do magistério em algumas escolas e, por decorrência, o desempenho de seus alunos. Mas, para salvar a carreira docente e garantir às crianças, adolescentes e jovens brasileiros uma educação completa e de boa qualidade, é necessário reinaugurar a carreira docente, tornando-a respeitada e atrativa e não mais uma escolha de segunda ou terceira linha. Só assim, jovens e promissores alunos dos cursos de licenciatura ficarão livres de ouvir comentários como o que me foi narrado por uma estudante empenhada e muito inteligente.
Ao conversar com um rapaz em um início de namoro, ele lhe perguntou o que ela queria fazer ao terminar seu mestrado. Ela lhe disse, com extrema convicção, que pretendia ser professora universitária. Ele, então, indagou, com muito espanto:
– Mas você quer passar aperto pelo resto de sua vida?
E ela, sentindo-se desrespeitada, disse:
– Sei que será difícil, mas para mim uma vida digna é tudo.
A educação no Brasil é uma dívida histórica que cresce como uma progressão geométrica. Penso que, se não for adotada uma política de Estado ampla, complexa e de longo prazo em relação às carreiras docentes, inclusive a universitária, em pouco tempo nenhum jovem poderá, com convicção, afirmar a dignidade de ser professor, em resposta à pergunta de qualquer interlocutor.
Lucilia de Almeida Neves Delgado é historiadora, professora titular da PUC Minas, professora da UFMG e pesquisadora sênior da UnB.
IN: ESTADO DE MINAS.PENSARBRASIL. 14 de agosto de 2010, p. 22-23.
Resgate da dignidade do magistério exige adoção de políticas públicas amplas, sendo a primeira medida o aumento expressivo e atualizável dos salários de profissionais
Lucilia de Almeida Neves Delgado
Euler Júnior/EM/D.A Press
Museu da Escola de Minas Gerais: quando o mestre era respeitado e valorizado socialmente
Alguns anos atrás, em 1996, quando fui pró-reitora de graduação da UFMG, visitei uma importante escola particular de Belo Horizonte, a convite da direção daquela casa, para participar de um debate com alunos do 2º e do 3º ano do ensino médio. O tema era: escolha profissional. Minha tarefa seria dupla. Relatar minha experiência como professora, que é bastante diversifica e longitudinal – inclui magistério para curso supletivo, cursinho pré-vestibular, ensino fundamental (5ª e 6ª séries), ensino médio, universidade privada e universidade pública (cursos de graduação e pós- graduação), e fornecer informações sobre as potencialidades de diferentes carreiras profissionais. Participavam da mesma mesa um jornalista, uma delegada, um médico e um arquiteto.
Sabia de antemão que os alunos estariam mais interessados em obter informações sobre o vestibular e as diferentes profissões do que sobre a difícil e pouco reconhecida atividade de professor, em especial sobre o exercício do magistério nos ensinos fundamental e médio. Por isso levei comigo informações sobre a previsão de remuneração profissional no início e no decorrer de diferentes carreiras, áreas possíveis de atuação das inúmeras profissões, relação candidato/vaga no vestibular, formas de ingresso no mercado profissional e dados estatísticos sobre evasão de estudantes nos cursos universitários.
A plateia, cuja média de idade era de 17 anos, mesclava posturas de atenção, inquietação e curiosidade. Foi uma manhã animada, em que os sonhos de muitos adolescentes eram traduzidos por perguntas que traziam em si perspectivas. Quase encerrado o evento, eu só havia respondido a perguntas sobre os assuntos que já previra seriam os mais estimulantes. Nenhum estudante, nem um sequer, solicitou meu testemunho sobre minha dupla experiência profissional, de ser historiadora e de ser professora. Nem mesmo sobre o magistério superior na UFMG, que é a mais importante universidade pública de Minas Gerais e uma das melhores do Brasil, foi formulada qualquer pergunta.
Um pouco perplexa, buscava uma forma de introduzir informações sobre a vida profissional de professores, em seus diferentes níveis, quando uma mão se levantou e um adolescente que revelou traços de determinação fez a seguinte declaração seguida de uma indagação constrangedora:
– Como a senhora, eu gosto muito de história e, mais ainda, de literatura, mas não quero e não posso ser professor. Não quero, pois tenho a impressão de que mesmo o professor universitário ganha muito pouco. Também não me imagino dando aulas em escolas e cursinhos, correndo para lá e para cá e perdendo a voz com poucos anos de trabalho. História ou letras serão meus segundos cursos, quando, já formado em direito e com carreira profissional definida, puder me premiar com a realização de um sonho. E mais: gosto dos meus professores, mas tenho pena deles. Correm o dia todo e ainda precisam lidar com alunos muito mal-educados. Não quero que a minha vida seja correr muito, ganhar pouco, corrigir pacotes de provas e exercícios e também todos os dias encontrar alunos que acham que sou empregado deles.
E em seguida:
– A senhora concorda comigo? Como a senhora se sente como professora? Seu salário dá para viver com conforto? Ele é só seu ou vai também para a família? Qual é o modelo, marca e o ano do seu carro?
Mesmo com grande experiência de falar em público, por alguns minutos, senti-me constrangida frente à sinceridade quase indelicada do estudante. Mais do que isso, fiquei um pouco chocada pela expressão, sem qualquer espécie de censura, do que ele considerava valor. Ter um carro novo e de grife.
Imediatamente levantei-me para responder-lhe. Resolvi falar de pé, pausadamente, com a voz alta e olhando firmemente para meu interlocutor e para toda a plateia. Ao chegar em casa, escrevi um e pequeno texto reproduzindo minha fala. Acho-o ainda muito atual.
“Caro aluno, ser professor universitário é para mim uma realização incomparável. Escolheria o mesmo caminho caso pudesse voltar no tempo e prestar novamente vestibular. Quando jovem, pensei também em ser jornalista. Mas o chamado da história, naquela fase da minha vida, foi mais forte. Gostaria de lhe dizer e a todos os seus colegas que, cada vez que uma turma se forma e constato que um pouco da minha contribuição está marcada na vida de um aluno, ou de alguns alunos, sinto-me feliz e renovada. Aliás, com o tempo, vocês sentirão o quanto é importante poder sentir a brisa da renovação no correr da vida. Gosto muito de trabalhar em uma universidade como a UFMG. Lá, além de dar aulas, faço pesquisas e oriento teses e dissertações na pós- graduação. Vivo em estado de permanente desafio. Preciso estar sempre atualizada, ler muito (livros e jornais), dar boas e estimulantes aulas, participar de bancas e congressos. Meu cotidiano é muitas vezes cansativo. No final dos semestres letivos chego, não raro, ao limite de minhas forças, mas nunca pensei em desistir. E para chegar aonde hoje estou prestei três concursos para ser professora universitária e defendi dissertação de mestrado e tese de doutorado. O investimento em formação e atualização é grande e não pode cessar. Meu carro não é nenhum modelo de requinte e luxo, mas me serve muito bem. Venha comigo ao estacionamento para conhecê-lo. Corresponde à possibilidade de compra de um professor universitário, com carreira completa. O que ganho é suficiente? É suficiente no limite e muito pouco e injusto se comparado à remuneração de outros profissionais de nível superior com o mesmo tempo de carreira que tenho. Mesmo assim, sinto-me realizada e, como diz Gonzaguinha, começaria tudo novamente. Mas você não deixa de estar coberto de razão. Ser professor no Brasil é muito desafiante e pouco compensador. Vamos pensar, por exemplo, na realidade do professor dos ensinos fundamental e médio da rede pública. Sua remuneração é vergonhosa, irrisória e desrespeitosa. Para sobreviver, muitos trabalham três turnos, em escolas diferentes e quase sempre distantes umas das outras e ainda cumprem um quarto horário de trabalho, em casa, corrigindo provas e preparando aulas. Além disso, participam da organização de atividades extraclasse, como festas, olimpíadas e exposições. E, se alguma das escolas onde trabalham estiver situada em área de risco, sentem-se inseguros e têm de lidar com a indisciplina, quando não com a agressão cotidiana de alunos que não têm qualquer estímulo para estudar. Com frequência, muitos desses professores são acometidos por estresse e por várias doenças profissionais com constância assustadora. Por isso, quando no início das aulas dos primeiros períodos das licenciaturas perguntamos qual é o objetivo profissional dos alunos recém-matriculados nas universidades, a resposta imediata não é jamais a de ser professor do ensino básico e médio. A grande maioria afirma que pretende ser professor universitário e abraçar a carreira acadêmica. Se eu falasse diferente para vocês, estaria mentindo.”
Competição e violência Hoje, passados alguns anos daquela manhã de setembro, que muito me impressionou, as informações sobre o cotidiano dos professores são ainda mais dramáticas. De lá para cá, as condições de exercício de magistério estão ainda mais difíceis. No mundo e no Brasil, o individualismo e a competição cresceram de forma assustadora; a violência urbana ganhou dimensões preocupantes e dar aulas em áreas de risco é ainda mais perigoso e nada estimulante. Por isso a procura pelos cursos de licenciatura nos vestibulares tem caído de forma assustadora. Tal fato em muito contribui para puxar o nível da maioria de seus alunos para baixo. Além disso, grande parte dos estudantes que neles ingressam os abandonam em torno do segundo ano de faculdade. O índice de evasão chega a 90% dos alunos que ingressam. Nas universidades públicas, em cursos de licenciatura das áreas das ciências exatas, é histórico e estarrecedor.
Nas escolas públicas e em muitos colégios já faltam professores de matemática, geografia, física e química. E em menos de 15 anos, segundo previsões das autoridades escolares e governamentais, faltarão professores em cerca de 80% das escolas brasileiras. A não ser no ensino superior, quase ninguém mais quer ser professor.
A situação é grave e requer adoção de políticas públicas holísticas, que incluam, em primeiro e absoluto lugar, aumento expressivo e atualizável dos salários de professores em todos os níveis de magistério. O piso salarial de R$ 900, estabelecido para vigência a partir deste ano para todas as escolas públicas do Brasil, é um ganho importante, mas ainda inexpressivo, em especial para os professores das grandes cidades, onde o custo de vida é alto. É preciso também considerar-se a necessidade de estabelecer um número adequado de alunos por sala de aula e a adoção de medidas que tragam maior segurança para as escolas e para seus alunos, professores e funcionários.
Outras medidas que precisam de empenho público são referentes ao adoecimento de professores. Fora os problemas vocais e auditivos, que são clássicos no cotidiano do exercício da docência, um grave mal tem acometido, em larga escala, em especial, a comunidade de professores das escolas de ensino básico e médio. Trata-se da síndrome de Burnout, caracterizada pelos seguintes sintomas combinados ou isolados: dores de cabeça, tonturas, tremores, falta de ar, oscilações do humor, distúrbios do sono, dificuldade de concentração, depressão e angústia. Todos provocados por sentimentos de exaustão, frustração, incapacidade, desmotivação e extremo cansaço.
Na área da educação não há milagres possíveis. Algumas iniciativas, de fato, têm contribuído para a melhoria das condições de exercício do magistério em algumas escolas e, por decorrência, o desempenho de seus alunos. Mas, para salvar a carreira docente e garantir às crianças, adolescentes e jovens brasileiros uma educação completa e de boa qualidade, é necessário reinaugurar a carreira docente, tornando-a respeitada e atrativa e não mais uma escolha de segunda ou terceira linha. Só assim, jovens e promissores alunos dos cursos de licenciatura ficarão livres de ouvir comentários como o que me foi narrado por uma estudante empenhada e muito inteligente.
Ao conversar com um rapaz em um início de namoro, ele lhe perguntou o que ela queria fazer ao terminar seu mestrado. Ela lhe disse, com extrema convicção, que pretendia ser professora universitária. Ele, então, indagou, com muito espanto:
– Mas você quer passar aperto pelo resto de sua vida?
E ela, sentindo-se desrespeitada, disse:
– Sei que será difícil, mas para mim uma vida digna é tudo.
A educação no Brasil é uma dívida histórica que cresce como uma progressão geométrica. Penso que, se não for adotada uma política de Estado ampla, complexa e de longo prazo em relação às carreiras docentes, inclusive a universitária, em pouco tempo nenhum jovem poderá, com convicção, afirmar a dignidade de ser professor, em resposta à pergunta de qualquer interlocutor.
Lucilia de Almeida Neves Delgado é historiadora, professora titular da PUC Minas, professora da UFMG e pesquisadora sênior da UnB.
IN: ESTADO DE MINAS.PENSARBRASIL. 14 de agosto de 2010, p. 22-23.
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