Especial Gilberto Freyre 110 anos - Quadrinhos - Clássico adaptado






Gilberto Freyre (1900-1987) era um estudioso que desenhava bem; Ivan Wasth Rodrigues (1927-2007) era um desenhista que também se dedicou ao estudo da História.

Historicamente, o trabalho de Ivan Wasth Rodrigues é impecável. Só quem se aventurou a recriar cenas históricas pode avaliar a quantidade de informação e pesquisa que cada quadro criado por ele concentra. Mas neste caso em especial, o resultado aparenta ser um pouco frio. Em parte pelo desenho clássico, rigorosamente acadêmico, de Ivan, e em parte, creio eu, pelo desejo de mostrar ao leitor os costumes e as coisas do passado com a máxima clareza. É um livro ótimo para se pesquisar, para se adquirir informação, mas não tem tanta plasticidade quanto a prosa de Gilberto Freyre.

O clássico Casa-Grande & Senzala (1933) é uma obra saborosa, intuitiva, impressionista, feita de representações muito vivas e palpáveis do cotidiano colonial: “Ociosa, mas alagada de preocupações sexuais, a vida do senhor de engenho tornou-se uma vida de rede. Rede parada, com o senhor descansando, dormindo. Rede andando, com o senhor em viagem ou a passeio debaixo de tapetes ou cortinas. Rede rangendo, com o senhor copulando dentro dela”, escreveu Freyre. O autor não é um teórico idealista, de conceitos e esquemas descarnados, nem “materialista sem matéria”, que do passado só registra o aspecto econômico e quantitativo. Ao contrário: é um pensador “quente”, de prosa fluida e carregada de imagens, cheiros, sons, sensorialista e sensual, uma espécie de Jorge Amado da academia. O próprio Freyre afirma, no prefácio de Casa-Grande & Senzala em Quadrinhos, que nasceu com uma “predisposição à espécie de edição – a quadrinizada (...), pois é história da formação brasileira, do começo ao fim, escrita através de sugestões plásticas. Através de formas, de imagens, de símbolos.” Não é à toa que sua trilogia – Casa Grande & Senzala, Sobrados e Mucambos (1936) e Ordem e Progresso (1957) – é recheada de desenhos e fotografias que não têm mera função decorativa. Essas imagens complementam e justificam a argumentação do autor: anúncios de jornal, retratos de senhores e sinhazinhas, desenhos arquitetônicos, mapas e aquela vista aérea monumental do Engenho Noruega, encomendada ao artista Cícero Dias, que em traço naïf – estilo também conhecido como primitivo moderno, ou primitivista, ou ingênuo, inaugurado pelo pintor Henri Rousseau – sintetiza a estrutura física e social do microcosmo freyreano. (...)


In: Revista de História da Biblioteca Nacional

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