Santa Efigênia


Na antiga Vila Rica, os escravos costumavam subir uma montanha ao final do dia. Lá se sentavam e conversavam sobre a pátria distante, a saudade da vida livre, o medo de morrer escravos numa terra estranha e distante. Juntos choravam sua desgraça. Nesse local havia uma cruz alta de jacarandá que deu o nome ao bairro de Alto da Cruz.

Um dia, quando estavam sentados ao pé da cruz como sempre faziam, os negros viram surgir, à sua frente, uma jovem negra, muito bonita que os consolou com doces palavras. Disse que era uma virgem cristã de nome Efigênia. A notícia daquela aparição se espalhou entre os escravos e cada vez mais pessoas se reuniam naquele morro na esperança de ver a jovem misteriosa. Ela vinha e conversava com eles, ensinava o amor, a tolerância e a paciência.

Um dia, como sempre ela apareceu e pediu aos escravos que fosse construída naquele local uma igreja para que eles pudessem ter um templo seu para suas orações.  A igreja deveria ter cinco altares simbolizando os cinco anos em que ela apareceu aos negros ao pé da Cruz. Deveria ser construída voltada para o Rio Uamii (Rio das Velhas) e ter duas torres. A que dava para o nascer do sol teria um relógio e um grande sino. Na outra torre, ficariam os sinos menores. A invocação seria Nossa Senhora do Rosário. Em sua homenagem, eles deveriam cultivar rosas em seus jardins e, à noite, os anjos os protegeriam. E é por isso que, até hoje, não se usam flores artificiais nas igrejas dedicadas a Santa Efigênia. Depois desse dia ela não voltou a aparecer.  
Desde então os escravos começaram a edificar o templo nos seus momentos de descanso. As negras besuntavam os cabelos com azeite para que o ouro em pó grudasse neles e, ao lavá-los em água quente, apuravam pouco a pouco o ouro para seguir na construção do templo que seria dedicado a Santa Efigênia. Os cativos que queriam a liberdade faziam promessa de levar à santa coisas de valor, inclusive ouro.  Ainda no início do século XX, havia na igreja a ela dedicada muitas jóias, correntes de ouro e prata e também ouro em pó, guardados num móvel de jacarandá que ficava na sacristia.   

Ela é a protetora dos negros, dos solteiros e dos soldados. Dizem que o bairro de Santa Efigênia está cheio de solteirões devotos da santa. Todos os anos os soldados vão à sua igreja, no dia 21 de setembro, prestar-lhe homenagem.

Diz a lenda que, por volta de 1865, os soldados do 17o batalhão, aquartelados em Ouro Preto, foram lutar na Guerra do Paraguai e Santa Efigênia os acompanhou o tempo todo para protegê-los. Quando estavam os soldados à beira mar, ali aparecia uma negrinha. Eles se espantavam e perguntavam o que ela fazia ali, num lugar perigoso como aquele. E ela dizia que estava ali para protegê-los e avisava dos perigos. Uma vez ela preveniu sobre uma ponte pela qual iriam passar. Ao verificar a situação da ponte, os oficiais viram que ela não era segura e evitaram atravessá-la, salvando toda a tropa de um grande desastre.

Um soldado, especialmente devoto de Santa Efigênia, pediu sua proteção no campo de batalha. Dentro da trincheira ele rezava, as balas pipocavam de todos os lados e nenhuma o atingiu. Chegou a ponto de uma bala atingir o alto de seu capacete, que rodopiou no ar e foi cair de novo na sua cabeça. O soldado nada sofreu e voltou são e salvo para Ouro Preto. Para agradecer sua santa protetora, subiu de joelhos toda a escadaria da igreja a ela dedicada.

Ela sempre ia ao quartel e era vista subindo a ladeira descalça. Depois a roupa da imagem aparecia suja de terra vermelha.

Durante o tempo em que ela esteve ausente de Ouro Preto, sua imagem sumiu do altar. Todos procuravam preocupados. O padre pressionou a zeladora. Ela era responsável e devia dar conta da imagem da santa. A zeladora desesperada jurava que não a havia roubado. Tudo se resolveu quando os soldados chegaram da guerra. Como por encanto, a santa reapareceu no seu altar. Todos puderam ver seus pés sujos de barro e as pegadas deixadas no caminho. O formato dos pés estava direitinho no barro e até a barra de seu manto estava manchada.

Contam ainda que, certa vez, quando um trem chegou a Vila Rica, desceu dele uma moça negra, muito bonita, com uma grande mala. Já era noite e ela estava sozinha. Um rapaz, querendo ser gentil, aproximou-se e ofereceu para carregar a mala da moça e acompanhá-la até sua casa. Ela permitiu. Mas, ao pegar a mala, o rapaz tomou um grande susto. Não conseguiu levantá-la!

- Mas, o que há aqui nesta mala para pesar tanto? - perguntou ele surpreso. A moça sorriu, pegou a mala tranqüilamente dizendo:

-Aqui estão os pecados desta cidade. E se afastou carregando a bagagem deixando o jovem boquiaberto, parado na Estação.

Não é à toa que antigos ouro-pretanos tinham uma máxima:

Em Ouro Preto não entra peste, fome, guerra e nem tampouco crises, porque tem, em suas extremidades, duas invencíveis sentinelas.” Referiam-se a Santa Efigênia no Alto da Cruz e, do lado oposto, ao Senhor Bom Jesus das Cabeças.
                                                    
                                                            
(Texto adaptado do livro “Tesouros, fantasmas e lendas de Ouro Preto”, de Angela Leite Xavier)



Igreja de Santa Efigênia - Construção datada de 1720 a 1785.Diz a lenda que foi erigida por Chico Rei e sua tribo, com o ouro tirado da mina da Encardideira. Talha de Francisco Xavier de Brito e supervisão técnica de Manuel Francisco Lisboa.

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