A alegoria da persuasão




A produção literária de padre António Vieira, composta de cartas, profecias e sermões, representa o que há de mais brilhante no discurso persuasivo e retórico em nosso idioma. Não é à toa que o poeta Fernando Pessoa o considerava "o imperador da língua portuguesa". O orador refletiu sobre todas as questões importantes de sua época, e seus textos não ficaram restritos ao universo eclesiástico, mas se desdobraram do púlpito para a literatura e o universo acadêmico.
 
Com forte poder de persuasão, sua oratória ácida se opunha a padres de discursos e condutas duvidosas. O "Sermão da Sexagésima" é um texto exemplar: "Mas dir-me-eis : Padres, os pregadores de hoje não pregam do Evangelho, não pregam das Sagradas Escrituras? Pois como não pregam a palavra de Deus? - esse é o mal. Pregam palavras de Deus, mas não pregam a palavra de Deus". Exímio articulador da língua, com apenas o acréscimo do artigo definido ele define de forma avassaladora a ineficiência discursiva dos padres de sua época.
No "Sermão da Sexagésima" ou "A palavra de Deus", pregado em 1655 na Capela Real de Lisboa e espécie de "profissão de fé" do conceptismo barroco, o pregador examina as condições necessárias para que palavras de Deus frutifique entre os fiéis. A partir da parábola bíblica do semeador, do Livro de São Lucas, Vieira legitima sua teoria de que a conversão terá raízes fecundas se o orador for capaz de refletir sobre a palavra de Deus e refletir a palavra de Deus. Em tempos de crise da palavra e da Igreja Católica, os sermões de Vieira são imprescindíveis para iluminar os dilemas atemporais da alma humana.

Críticas à igreja em obra de Vieira continuam atuais
João Jonas Veiga Sobral


In: Revista da Lingua Portuguesa



Sermão da Sexagésima (Trecho)


Fazer pouco fruto a Palavra de Deus pode proceder de um de três princípios:
1) ou da parte do PREGADOR;
2) ou da parte do OUVINTE;
3) ou da parte de DEUS.

Para uma pessoa se converter por meio da mensagem há de haver três concursos:
1) Há de concorrer o pregador com a DOUTRINA, persuadindo-o;
2) Há de concorrer o ouvinte com o ENTENDIMENTO, percebendo;
3) Há de concorrer Deus com a GRAÇA, alumiando.

Para um homem se ver a si mesmo são necessárias três coisas: OLHOS, ESPELHO E LUZ. Se tem espelho e é cego, não pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é noite, não se pode ver por falta de luz. Logo há mister luz, há mister espelho, e há mister olhos.
O pregador concorre com o espelho, que é a DOUTRINA. Deus concorre com a luz, que a GRAÇA; o homem concorre com os olhos que é o ENTENDIMENTO. (...)

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