Seminário Patrimônio Cultural Imaterial


 

Às vésperas de uma mudança presidencial e da estruturação do Plano Nacional de Cultura – PNC, cabe à sociedade entender como se estruturam as políticas culturais e se informar sobre as diretrizes, metas e desafios para a Cultura, que acenam como futuros próximos. Representando o Ministério da Cultura – MinC, a Diretora do Departamento de Patrimônio Imaterial do IPHAN, Márcia Sant’Anna, conversou com o Acesso sobre o direcionamento dado por esta administração ao tema do Patrimônio Cultural Imaterial e sobre a importância da continuidade da política de Patrimônio Imaterial até então implementada.
Acesso – Qual o direcionamento deste Ministério para a questão do Patrimônio Cultural Imaterial?
Márcia Sant’Anna – O Patrimônio Cultural brasileiro está a cargo do IPHAN, autarquia responsável por sua preservação, desde 1937, época do Governo Getúlio Vargas. No ano 2000, 63 anos depois da criação do próprio IPHAN, foi promulgado o decreto que criou o Registro de Bens Culturais Imateriais, como parte da estruturação de uma política de salvagurada voltada ao patrimônio. Então, podemos dizer que a noção de que os saberes e fazeres culturais integram o patrimônio já existia, mas carecia de um instrumento de preservação adequado ao seu caráter móvel, flexivel.
Acesso – Nesse sentido, qual a política adotada pelo IPHAN?
M. S. – A política do IPHAN é a mesma do Ministério: salvaguardar o patrimônio por meio de princípios, diretrizes e instrumentos. No caso dos princípios, trabalhamos com a ideia de participação. Uma vez que o Patrimônio Imaterial é realizado por um grupo de pessoas, torna-se imperceptível quando não considera a ação humana. A participação é um princípio basilar que permeia todas as fases, desde a identificação de um bem imaterial até seu reconhecimento, registro, processos de apoio e de fomento. Nessa linha, o IPHAN executa os papéis de formatador e de apoiador da salvaguarda.
Quanto às diretrizes, estão voltadas para 3 aspectos. O primeiro se refere ao investimento prioritário na produção de conhecimento, com inventários e mapeamentos – não é possível estabelecer a salvaguarda sem a produção desse conhecimento inicial. O segundo enfoca a importância da sustentabilidade dessas expressões; está voltado ao investimento nas condições sociais, materiais e ambientais que sustentam essas expressões. Se um praticante de um saber tradicional tem dificuldade de acesso à matéria-prima, por exemplo, esse se torna um aspecto fundamental para a continuidade da expressão. Já, se o bem cultural necessita de recursos naturais para se processar, é preciso levar em consideração a preservação da natureza e seu manejo. O terceiro aspecto trata da necessidade de institucionalização da política e da descentralização para que Estados e municípios tenham igual possibilidade de atuação. Para isso, os participantes precisam de capacitação e aperfeiçoamento conceitual e metodológico.
Sobre os instrumentos de execução dessa política, cito a socialização das metodologias de inventário nacional de instrumentos culturais; o reconhecimento patrimonial feito a partir do Registro; os planos de salvaguarda, compostos por um conjunto de ações que o Estado fomenta para fortalecer a continuidade da expressão; e os planos de fomento às iniciativas da sociedade, que acontecem por intermédio dos editais do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, que disponilbilizam recursos para que as próprias comunidades realizem a identificação de atividades de salvaguarda.
Acesso – Além dos editais do Programa, que tipos de financiamentos serão direcionados, por meio do PNC, à preservação e restauração do patrimônio intangível?
M. S. – Existem outras formas de financiamento, como os convênios, que são instrumentos de cooperação entre o público e o privado em torno de um objetivo comum. Temos os exemplos de empresas como a Petrobras e a Caixa Econômica que criaram linhas de patrocínio especificamente voltadas ao Patrimônio Imaterial. Acho que é necessário ampliar essa atuação e, com o crescimento da política, o interesse de outras empresas por projetos de salvaguarda se dará de forma natural. Essa é uma tendência.

Acesso – Existem diversos casos de patrimônios imateriais que deixam de existir porque perdem sua função social, ou porque não são sustentáveis, ou ainda porque se tornam obsoletos diante da tecnologia. Um exemplo disso é a procissão de carros-de-boi do interior de Goiás, que deixou de ser funcional para aquela comunidade. O que acontece quando um bem cultural imaterial registrado deixa de existir?
M. S. – Como está relacionado a funções práticas num contexto social e econômico, o patrimônio pode, sim, desaparecer. O carro-de-boi foi muito usado porque era a tecnologia disponível e, hoje, ele não tem mais sentido. Em situações como essa, o IPHAN tem a função de documentar as expressão cultural, de guardar a memória da manifestação. Por outro lado, os Registros concedidos são revalidados a cada dez anos, para que se verifique se a manifestação continua forte, fazendo sentido para a comunidade. Quando a avaliação é positiva, o título é revalidado, mas quando identificamos que, apesar dos esforços, os detentores não têm mais interesse em dar continuidade à expressão cultural, então não revalidamos o título e o Registro é encaminhado como instrumento de memória.
Acesso – Em relação ao plano internacional, como se posiciona a política cultural brasileira para o Patrimônio Imaterial?
M. S. – Somos parte integrante e fundamental no plano internacional.  Começamos a institucionalizar a política de Patrimônio Imaterial na mesma época em que a UNESCO elaborava o texto da Convenção – diversos especialistas brasileiros participaram diretamente desse processo. O Brasil tem uma política afinada com os princípios da UNESCO. Nesse momento, estamos desenvolvendo um documento em conjunto com a UNESCO Brasil  para a descentralização da política de salvaguarda, que leva em conta a  participação de Estados e municípios. Em suma, a política desenvolvida no Brasil é considerada referência internacional e, por conta disso, temos cooperado com vários países, principamente os da América Latina e da África, com o repasse de nossa metodologia.
Acesso – A UNESCO identificou como desafios ao desenvolvimento brasileiro, na área da cultura, os binômios: desenvolvimento e superação das desigualdades socioculturais; e preservação do patrimônio cultural versus novos processos de desenvolvimento. Quais seriam os caminhos para a resolução dessas equações?
M. S. – Não há uma fórmula que faça tudo acontecer. Trata-se de um investimento contínuo, que tenha essas diretrizes embutidas e metas. O Brasil tem avançado muito nesse sentido e vai depender, basicamente, da continuidade de políticas públicas que tenham desenvolvimento e preservação como objetivos principais.
Acesso – Quais são as diretrizes do Plano Nacional de Cultura – PNC com relação aos bens culturais de natureza imaterial?
M. S. – As diretrizes estão afinadas com as diretrizes da política de salvaguarda, até porque fazemos parte da mesma estrutura. O Plano Nacional de Cultura reforça, amplia e ressalta a importância da preservação do Patrimônio Imaterial.
Acesso – Podemos deduzir, então, que o PNC dará continuidade ao trabalho de salvaguarda iniciado?
M. S. –A política de salvaguarda foi implantada e institucionalizada de forma consistente nos últimos anos e acho que o trabalho deve ser continuado. O decreto, que apóia e sustenta juridicamente a política, está cada vez mais fortalecido e ainda há uma enorme demanda social já caracterizada.
Acesso – O fomento ao Patrimônio Imaterial pode atuar como um vetor para o desenvolvimento sustentável?
M. S. – Essa é uma das linhas do Programa de Patrimônio Imaterial. Nesse sentido, existe uma interlocução entre o Programa e outras políticas públicas, nas áreas de meio ambiente, educação e esportes, e até com os Ministérios das Relações Exteriores e da Justiça. Trata-se de um tema transversal que demanda articulações com outros setores que vão além do IPHAN.
Acesso –  A reorganização do Ministério, demandada pelo Plano Nacional de Cultura, pode ser afetada pela mudança presidencial? O que está sendo feito para evitar turbulências nesse sentido?
M. S. – As instituições permanecem ao longo da sucessão de vários governos e o IPHAN já passou por isso. Existe uma legislação na qual a instituição se apóia que é uma ação de Estado, mas as prioridades podem mudar de governo para governo. Esse é um processo democrático normal e, na minha visão, essa política de salvaguarda conseguiu se institucionalizar o suficiente para se transformar em ação de Estado.
Acesso – Quais as metas e desafios para o primeiro decênio do PNC com relação ao Patrimônio Imaterial? 

M. S. – As metas estão relacionadas com os desafios. Precisamos: avançar na produção de conhecimento, no mapeamento das expressões e referências; abrir espaço para a atuação das comunidades, que estiveram à margem das políticas públicas de patrimônio; sensibilizar a sociedade para a importância da preservação do patrimônio e para a ideia de que, por mais que o Estado faça investimentos, quem determina a continuidade das expressões culturais são os grupos sociais; além de estruturar uma ação sistêmica entre as instâncias federal, estadual e municipal, em torno de uma política integrada de salvaguarda que envolva a sociedade.

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