Os novos movimentos migratórios: campo/cidade, centros/periferias
Documento 1:
Seu Zé nasceu na Bahia, perto da cidade de Poções. Já com 8 anos trabalha na pequena propriedade do pai. Ainda jovem vai para Itabuna, “pra zona do cacau, caçando empreitada e morando em alojamento”. Casado, mudou-se para a Zona da Mata onde “fiquei 8 anos de colono, tinha casa. Tive também 15 filhos. A mulher só pode criar 8, 7 morreram. [...] os patrões não têm relógio nem horário. A gente trabalha até a noite chegar, com suor de torcer a camisa. E o dinheiro que a gente ganha é tão pouco que nem dá pra comprar uma corda pra morrer enforcado. [...]A roça não dá. (...) Então o jeito é migrar. Tomei um Vera Cruz e vim direto pra São Paulo. Nem no Rio parei. Vim por fora... à busca de ganho. [...]” Com a ajuda de parentes, chega à favela de Cidade Jardim, onde compra um barraco. Como pedreiro ou caseiro trabalha na condição de assalariado. Aos poucos, torna-se um trabalhador autônomo em serviços de jardinagem. “Agora a gente mora aqui, pra poder mandar um pouco de dinheiro pra nossa gente na Bahia e na favela as pessoas se ajudam muito. Se eu sair daqui eu sofro solidão. Sinto falta deste povo.[...] Se eu pudesse eu agasalhava todo esse povo. Olha, moço, o fraco só fala com o fraco mesmo. Tem os mais fracos do que eu. Tem uns que a fraqueza maltrata mais. O forte não tem que trabalhar. O fraco não vira forte. A não ser que um revés de uma sorte eu acertasse um jogo. Por trabalho não vou arranjar nada não. Não dá pra sobrar do custo de vida. Quero vencer na cidade: quero ganhar 1.000 cruzeiros. Ter 20 jardins pra cuidar. Atualmente ganho 400. Tenho 10.”
Documento 2:
Pernambuco tem 24 anos. Tem força para vender. Trabalha como servente de pedreiro e nos fins de semana como copeiro num restaurante. Nasceu no interior de Pernambuco, onde o pai era colono de meia. “Quando menino fui trabalhar em olaria [...] Depois fui trabalhar num engenho, porque queria ganhar melhor e ter um emprego de indústria, não de roça que não tem futuro. Mas não consegui trabalhar nas caldeiras. Me puseram pra cortar cana: trabalho de qualquer, de roça, de salário baixo. Daí vim embora. Tinha um cara que trabalhou uns tempos em São Paulo e depois foi pra minha terra contando muita vantagem dos ganhos. Então eu pensei: eu sou forte e moço, bom de trabalho, se eu vou pra lá posso ganhar o meu e partir pra adquirir um estudo e melhorar de vez. [...] Não gosto de vagabundo. Quem pede esmola não tem vergonha na cara; o sujeito chega onde quiser se trabalhar direito e pra valer. Eu vou estudar pra ver se consigo ser engenheiro. Aí sim. Tenho uma profissão de respeito. Porque bom de trabalho eu sou: o que me falta é o conhecimento, o diploma, saber falar inglês, essas coisas. Eu sou forte e moço, bom de trabalho. Eu vou tentando. Eu vou tentando. Eu, sabe como é, eu sou bom de trabalho.
Documento 3:
Zé Luiz vive na favela de Cidade Jardim desde 1972, quando construiu um barraco. Nasceu em Minas Gerais, onde o pai tinha uma propriedade rural: “nosso terreno tinha mais ou menos uma base de 300 alqueires ou mais. Só nosso. Mas nós não plantávamos nada nele, porque a terra era ruim. Não dava nada. Era só sapé. Trabalhava na terra dos outros. Não sei o que aconteceu nessa terra toda. Todo mundo morreu. Uns morreram. Outros foram embora. A terra ficou lá. Quem é bonito, tem dinheiro, passa a mão. E é deles. Tenho oito irmãos. Não vi mais nenhum. Vi um. Sete nunca mais vi. Podem estar aqui em São Paulo. Eu não sei.” Sua vida é marcada por prisões, fugas e facadas, por um número incontável de trabalhos e mulheres. “Esse cara que nasceu pobre, pra ser servente, lavrador, trabalhar na roça, tá lascado. Tá do modo que o diabo gosta. [...] o pobre trabalha pro rico sustentar, porque o rico tem dinheiro pra comprar do pobre. Compreendeu como é que é? Aqui tem trabalho. Se trabalhar, come. Se não trabalhar, come a mesma coisa.” Quase todas as noites e os fins de semana, Zé Luiz chega em casa, toma banho, janta, põe a roupa de mendicância e vai para as igrejas, onde tem missa, batizado ou casamento, com Dirce e os três filhos: “Totonho vai no colo; Zé Ricardo e Roberto Alexandre já sabem como é preciso fazer.” Além dessa atividade, a mais rendosa, Zé Luiz é servente de pedreiro: faz concreto, massa de cimento. É registrado e ganha salário mínimo.
(Todos documentos foram tirados de Lúcio Kowarick. A Espoliação Urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.)
1. O que os documentos têm em comum? Procure relacionar os dados contidos nos documentos com os dados estatísticos da migração e urbanização no Brasil relativos à década de 1970.
2. Identifique e discuta as diferentes visões de mundo e, particularmente, em relação ao trabalho, nos três depoimentos.
3. Na a história de vida, da família, tem exemplos semelhantes com os depoimentos? Relate a experiência.
4. Recortar de jornais, revistas, sites que identifiquem a visão de mundo e reivindicações do MST e informem da situação do campo no Brasil de hoje.
Seu Zé nasceu na Bahia, perto da cidade de Poções. Já com 8 anos trabalha na pequena propriedade do pai. Ainda jovem vai para Itabuna, “pra zona do cacau, caçando empreitada e morando em alojamento”. Casado, mudou-se para a Zona da Mata onde “fiquei 8 anos de colono, tinha casa. Tive também 15 filhos. A mulher só pode criar 8, 7 morreram. [...] os patrões não têm relógio nem horário. A gente trabalha até a noite chegar, com suor de torcer a camisa. E o dinheiro que a gente ganha é tão pouco que nem dá pra comprar uma corda pra morrer enforcado. [...]A roça não dá. (...) Então o jeito é migrar. Tomei um Vera Cruz e vim direto pra São Paulo. Nem no Rio parei. Vim por fora... à busca de ganho. [...]” Com a ajuda de parentes, chega à favela de Cidade Jardim, onde compra um barraco. Como pedreiro ou caseiro trabalha na condição de assalariado. Aos poucos, torna-se um trabalhador autônomo em serviços de jardinagem. “Agora a gente mora aqui, pra poder mandar um pouco de dinheiro pra nossa gente na Bahia e na favela as pessoas se ajudam muito. Se eu sair daqui eu sofro solidão. Sinto falta deste povo.[...] Se eu pudesse eu agasalhava todo esse povo. Olha, moço, o fraco só fala com o fraco mesmo. Tem os mais fracos do que eu. Tem uns que a fraqueza maltrata mais. O forte não tem que trabalhar. O fraco não vira forte. A não ser que um revés de uma sorte eu acertasse um jogo. Por trabalho não vou arranjar nada não. Não dá pra sobrar do custo de vida. Quero vencer na cidade: quero ganhar 1.000 cruzeiros. Ter 20 jardins pra cuidar. Atualmente ganho 400. Tenho 10.”
Documento 2:
Pernambuco tem 24 anos. Tem força para vender. Trabalha como servente de pedreiro e nos fins de semana como copeiro num restaurante. Nasceu no interior de Pernambuco, onde o pai era colono de meia. “Quando menino fui trabalhar em olaria [...] Depois fui trabalhar num engenho, porque queria ganhar melhor e ter um emprego de indústria, não de roça que não tem futuro. Mas não consegui trabalhar nas caldeiras. Me puseram pra cortar cana: trabalho de qualquer, de roça, de salário baixo. Daí vim embora. Tinha um cara que trabalhou uns tempos em São Paulo e depois foi pra minha terra contando muita vantagem dos ganhos. Então eu pensei: eu sou forte e moço, bom de trabalho, se eu vou pra lá posso ganhar o meu e partir pra adquirir um estudo e melhorar de vez. [...] Não gosto de vagabundo. Quem pede esmola não tem vergonha na cara; o sujeito chega onde quiser se trabalhar direito e pra valer. Eu vou estudar pra ver se consigo ser engenheiro. Aí sim. Tenho uma profissão de respeito. Porque bom de trabalho eu sou: o que me falta é o conhecimento, o diploma, saber falar inglês, essas coisas. Eu sou forte e moço, bom de trabalho. Eu vou tentando. Eu vou tentando. Eu, sabe como é, eu sou bom de trabalho.
Documento 3:
Zé Luiz vive na favela de Cidade Jardim desde 1972, quando construiu um barraco. Nasceu em Minas Gerais, onde o pai tinha uma propriedade rural: “nosso terreno tinha mais ou menos uma base de 300 alqueires ou mais. Só nosso. Mas nós não plantávamos nada nele, porque a terra era ruim. Não dava nada. Era só sapé. Trabalhava na terra dos outros. Não sei o que aconteceu nessa terra toda. Todo mundo morreu. Uns morreram. Outros foram embora. A terra ficou lá. Quem é bonito, tem dinheiro, passa a mão. E é deles. Tenho oito irmãos. Não vi mais nenhum. Vi um. Sete nunca mais vi. Podem estar aqui em São Paulo. Eu não sei.” Sua vida é marcada por prisões, fugas e facadas, por um número incontável de trabalhos e mulheres. “Esse cara que nasceu pobre, pra ser servente, lavrador, trabalhar na roça, tá lascado. Tá do modo que o diabo gosta. [...] o pobre trabalha pro rico sustentar, porque o rico tem dinheiro pra comprar do pobre. Compreendeu como é que é? Aqui tem trabalho. Se trabalhar, come. Se não trabalhar, come a mesma coisa.” Quase todas as noites e os fins de semana, Zé Luiz chega em casa, toma banho, janta, põe a roupa de mendicância e vai para as igrejas, onde tem missa, batizado ou casamento, com Dirce e os três filhos: “Totonho vai no colo; Zé Ricardo e Roberto Alexandre já sabem como é preciso fazer.” Além dessa atividade, a mais rendosa, Zé Luiz é servente de pedreiro: faz concreto, massa de cimento. É registrado e ganha salário mínimo.
(Todos documentos foram tirados de Lúcio Kowarick. A Espoliação Urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.)
1. O que os documentos têm em comum? Procure relacionar os dados contidos nos documentos com os dados estatísticos da migração e urbanização no Brasil relativos à década de 1970.
2. Identifique e discuta as diferentes visões de mundo e, particularmente, em relação ao trabalho, nos três depoimentos.
3. Na a história de vida, da família, tem exemplos semelhantes com os depoimentos? Relate a experiência.
4. Recortar de jornais, revistas, sites que identifiquem a visão de mundo e reivindicações do MST e informem da situação do campo no Brasil de hoje.
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