DAS DISTINÇÕES ENTRE INDIVÍDUO E PESSOA



No sistema brasileiro é básica a distinção entre o INDIVÍDUO e a PESSOA como duas formas de conceber o universo social e nele agir. Um dos denominadores comuns de todas as situações, porém, é a separação ou diferenciação social, quando se estabelecem as posições das pessoas no sistema social.

No Brasil, tudo indicada que a expressão permite passar de um estado a outro: do anonimato (que revela a igualdade e o individualismo) a uma posição bem definida e conhecida (que expressa a hierarquia e a pessoalização). De uma situação ambígua e, em princípio, igualitária, a uma situação hierarquizada, onde uma pessoa deve ter precedência sobre a outra. Em outras palavras, o “sabe com quem está falando?” permite estabelecer a pessoa onde antes só havia um indivíduo.

As noções de indivíduo e de pessoa são fundamentais na análise sociológica. A noção de pessoa surgiu claramente com Marcel Mauss (1974), num artigo clássico de um personagem (nas sociedade tribais) sendo progressivamente individualizada até chegar à idéia da pessoa como “ser psicológico” e altamente individualizado. A idéia de Mauss de que a pessoa era de fato um ponto de encontro entre a noção de indivíduo psicológico e uma unidade social. Mas é importante observar que,para ele, a noção de pessoa desembocava na idéia de indivíduo. A noção de indivíduo é também social. Em seguida, deseja revelar que a noção de indivíduo pode ser posta em contraste com a idéia de pessoa (também uma construção social), que exprime outro aspecto da realidade humana. E, finalmente, espera-se mostrar como as duas noções permitem introduzir na análise sociológica o dinamismo necessário para poder revelar a dialética do universo social com uma larga aplicação, sobretudo no caso do Brasil. Assim, o sociológico, ou melhor, o social, é aquilo que é tomado de empiricamente elaborado por alguma entidade, de modo que ela possa tomar uma posição ou criar uma perspectiva.

Aproxima-se da definição de indivíduo: ênfase ao “eu individual”, repositório de sentimentos, emoções, liberdades, espaço interno, capaz, portanto de pretender a liberdade e a igualdade,sendo a solidão e o amor dois de seus trações básicos, e o poder de optar e escolher, um dos seus direitos mais fundamentais. Nessa construção – que corresponde à construção ocidental – a parte é, de fato, mais importante do que o todo. E a noção geral, universalmente aceita, é a de que a sociedade deve estar a serviço do indivíduo.
Aproxima-se da definição de pessoa: é o indivíduo natural ou empiricamente dado é a elaboração do seu pólo social. Aqui, a vertente desenvolvida pela ideologia não é mais a da igualdade paralela de todos, mas da complementaridade de cada um para formar uma totalidade que só pode ser constituída quando se tem todas as partes. Em vez de termos a sociedade contida no indivíduo, temos o oposto: o indivíduo contido e imerso na sociedade. É essa vertente que corresponde à noção de pessoa como entidade capaz de remeter ao todo, e não mais à unidade, e ainda como o elemento básico por meio do qual se cristalizam relações essenciais e complementares do universo social.

Ocorre apenas que a noção de indivíduo como unidade isolada e auto-contida foi desenvolvida no Ocidente, ao passo que nas sociedades holísticas, hierarquizantes e tradicionais, a noção de pessoa é a dominante. Pode-se agora ver com clareza que o lugar do indivíduo – em oposição ao lugar da pessoa – é nos sistemas onde não existem segmentos tradicionais são associações.:
 – Roberto Damatta

INDIVÍDUO X PESSOA

Livre, tem direito a um espaço próprio X Presa à totalidade social à qual se vincula de modo necessário

Igual a todos os outros X Complementar aos outros

Tem escolhas, que são vistas como seus X Não tem escolhas
Direitos fundamentais

Tem emoções particulares. A consciência X A consciência é social (isto é, a totalidade tem
é individual precedência).

A amizade é básica no relacionamento X A amizade é residual e juridicamente definida
escolhas

Faz as regras do mundo onde vive X Recebe as regras do mundo onde vive

Não há mediação entre ele e o todo X A segmentação é a norma



DAMATTA, Roberto. Canaviais, malandros e heróis. Rio de Janeiro, 1994.

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