A Formação das Almas: o Imaginário da República no Brasil


A Formação das Almas: o Imaginário da República no Brasil de José Murilo de Carvalho

José Murilo de Carvalho em sua obra “A Formação das Almas: o Imaginário da República no Brasil” analisa o período que abarca o processo que leva a Proclamação da Republica no Brasil. Carvalho inicia seu argumento a partir da conclusão que defendeu em obra anterior denominada “Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que Não Foi“. De acordo com ele a participação popular na dita revolução que levou a proclamação da República do Brasil pode ser considerada nula, porém ainda restava à esta questão um olhar mais apurado o qual o autor se atem apropriadamente em A Formação das Almas. Ele afirma que houve grupos com diferentes preceitos ideológicos, conflitantes, cujo resultado das disputas daria contorno ao formato da política do país. Havia três correntes ideológicas disputando o controle do que viria ser a república: o liberalismo americano, o jacobinismo francês e o positivismo. Dentro dessas correntes predominavam dois conceitos diferentes de liberdade. A liberdade da democracia direta clássica em que povo sai para a praça pública para deliberar sobre a política do Estado (defendida pelos Jacobinos); e a liberdade da democracia representativa com um líder eleito em que a população tem liberdade de propriedade, de religião e de opinião, liberdade individual (defendida pelos Positivistas e Liberalistas). O autor ressalta que maior importância deve ser dada a como estes modelos foram apropriados não somente pelas elites intelectuais mas por parte da população como se figuraram estes discursos políticos. Os modelos importados de política tiveram que adaptar-se a realidade do Brasil, uma nação sem identidade, sem um povo. Esta ausência de um povo não está, seguramente, devido a falta de um contingente populacional, mas sim devido a não participação deste povo na política. A população geral, de acordo com o autor, estava muito mais ligada a monarquia pelos laços criados pela política paternalista da Coroa, do que com os ideais de liberdade e democracia que os modelos republicanas tentavam inculcar. Não houve multidões nas ruas lutando ou protestando, fazendo uma revolução, a república foi idealizada por uma elite provinda dos grupos sociais mais abastados daquela sociedade e imposta por eles segundo seus próprios interesses particulares, a relação entre o bem publico e o bem privado desde o período colonial foi muito ambígua na política brasileira.
Tiradentes Esquartejado, em tela de Pedro Américo (1893)- 
Ao pensar “A Formação das Almas” no período da república, Carvalho analisa as diferentes Proclamações, ou seja, as diferentes perspectivas assumidas por cada grupo após o quinze de novembro. Segundo o autor formaram-se diferentes versões oficiais com destaque principalmente para os personagens presentes naquele dia devido à necessidade que a nova república tinha de ter uma história oficial, um elemento aglutinador, um mito de origem e talvez, principalmente, um herói. As três versões oficiais de República foram: “a república militar de Deodoro”, “a república sociocrática de Benjamin Constant” e “a república liberal de Quinto Bocaiúva”. Apesar dos esforços dos defensores de cada versão, nenhuma delas e nenhum de seus heróis conseguiram se estabelecer como o mito fundador da sociedade brasileira. Isso porque cada um pertencia a uma corrente que era rival da outra e nenhuma delas tinha um grande apelo popular, ou seja, nenhuma promovia unidade ou a universalidade que um mito precisava para ser o elemento aglutinador de todo o povo. Eles precisavam de um herói que abarcasse toda a população, todas as correntes.

José Murilo de Carvalho defende que existiu uma grande tentativa de compensar à falta de participação e de apelo popular na Proclamação da República Brasileira através da simbologia, criando assim um herói que pertencesse ao povo. Tiradentes foi o símbolo que se mostrou mais capaz de promover tal unidade, tal universalidade. Tiradentes, naquele período, ainda estava presente no imaginário popular, na literatura e na arte. Sua imagem era o elemento de interligação ou aproximação na luta pela liberdade do Brasil.Ele era o herói do povo, um mártir que poderia ser facilmente associado através de uma cronologia a um longo processo que une a abolição, independência e a proclamação da república. Além disso, ele contava com um forte apelo religioso, pois sua vida era confundida com a do próprio Cristo em uma sociedade católica fervorosa.Logo as correntes ideológicas iniciaram uma disputa para apropriar-se do herói; diversos autores publicaram diversas obras com suas verdades históricas sobre a vida de Tiradentes. Durante a monarquia, sua imagem fora construída de uma forma e durante a república, e suas diferentes perspectivas, de outras. O mais importante é que sua imagem acabou apropriada pelo povo que através de todas as narrativas sobre o assunto e das importantíssimas obras de arte acabou sendo comparado com Jesus, tornando-se assim o salvador, o mártir, o mito.

Portanto, quem foi Tiradentes? Um líder separatista, nativista, herói da república, o primeiro brasileiro, ou um súdito fiel da Coroa portuguesa que desejava expressar sua insatisfação com o formato do governo de sua época? Qual foi o modelo de politica implantado pelo novo governo, agora republicano? Uma versão do liberalismo norte-americano, um positivismo ortodoxo ou um jacobinismo radical francês? Mais importante que buscar uma verdade histórica sobre a proclamação da república é, como defende José Murilo de Carvalho, pensar por quais processos se deu a construção histórica de sua imagem e quais foram as intencionalidades presentes nas representações da mesma através das obras historiográficas de cada tempo, de cada corrente ideológica, de cada autor, e como a partir, disso se formou o imaginário da república no Brasil. Tiradentes foi aquilo que cada autor ou corrente ideológica precisou que ele fosse para legitimar a forma de governo vigente de cada época, um herói que foi moldado de acordo com cada tipo de república que se pretendeu, assim como todo o conjunto de representações do panteão da república no Brasil.

Referências Bibliográficas 

CARVALHO, José Murilo de. “A formação das almas: o imaginário da República no Brasil”. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

CARVALHO, José Murilo. “A Nova Historiografia e o Imaginário da República”. Revista Anos 90, Revista de Pós-Graduação em História, UFRGS, Volume 1, nº 1, p. 11-21, Maio de 1993.

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