À flor das pedras


Além do casario e das igrejas barrocas, um novo olhar sobre a cidade que faz 300 anos essa semana revela tesouros escondidos pelo tempo e que contam histórias inusitadas

Gustavo Werneck

Fotos: Euler Júnior/EM/D.A Press

Da ponte na Estrada da Corte, que em 1850 ligava Minas ao Rio de Janeiro, só restou o arco em Bico de Pedra

Ouro Preto – Arco de uma ponte colonial à beira do desfiladeiro, ruínas do lago artificial de um palácio, duas igrejas da época dos bandeirantes e caminhos secretos que conduzem à história de Minas. Ouro Preto, na Região Central, comemora, sexta-feira, 300 anos de elevação dos arraiais primitivos a vila e, mesmo com tantos séculos de vida cultural, não para de surpreender. Ainda que livros, filmes, poesias, reportagens e visitantes tenham soprado o nome da cidade mundo afora e revelado a beleza do conjunto arquitetônico, há muito para se conhecer e descobrir além da Praça Tiradentes, no Centro Histórico. E para quem pensava já saber tudo sobre esse Patrimônio da Humanidade, título concedido, em 1980, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), é bom lembrar que os 12 distritos da antiga Vila Rica reservam tesouros às vezes escondidos pelo mato, muros ou pelo próprio tempo.

Desbravador do município desde adolescente, o professor de história da arte do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), Alex Fernandes Bohrer, não se cansa de vasculhar os quatro cantos à procura de ângulos diferentes, histórias e monumentos abandonados. O resultado de pesquisas e andanças está no livro Ouro Preto – Um novo olhar, que Bohrer lança no sábado, às 19h, no Anexo do Museu da Inconfidência, na Praça Tiradentes. “Esta cidade é o resumo de Minas, do Brasil, um lugar que começou com os bandeirantes paulistas, teve a mão africana na sua construção e atraiu brasileiros e europeus. Tudo aqui precisa ser preservado. As pessoas, geralmente, ficam restritas ao núcleo central, mas temos muito mais para mostrar do que o casario e igrejas barrocas”, diz o professor, enquanto guia o Estado de Minas por um túnel do tempo que começa no distrito de Rodrigo Silva, sob a Ponte Arriada, construída no século 19 e parte da Estrada da Corte. O lançamento do livro integra as comemorações do tricentenário de Vila Rica (veja a programação).

A ponte surge no horizonte, na localidade de Bico de Pedra, depois de uma caminhada pelo mato e o professor explica que metade dela caiu no precipício poucos anos após a construção, por volta de 1850 – o motivo teria sido não suportar o peso da pavimentação da Estrada da Corte, que levava Ouro Preto ao Rio de Janeiro. Debaixo do arco, por onde passam águas cristalinas, ele conta que os recursos para reconstrução e recuperação da estrutura seriam tão altos que as autoridades consideraram mais conveniente abrir um desvio, em ziguezague, no lugar chamado “S”. Ouvindo o barulho de cachoeira, Bohrer chama a atenção para aquela que se forma no abismo e acredita que o cenário, com sucessão de montanhas, pode ter influenciado a escolha do local como passagem em direção ao Rio.

Ainda no distrito de Rodrigo Silva, ex-José Correia, polo de exploração de topázio, fica a Capela de Santa Quitéria do Alto da Boa Vista, construção do fim do século 17, que seria das primeiras de Minas. O templo foi visitado pelo naturalista, botânico e viajante francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), que registrou a qualidade dos tecidos ali produzidos. Do povoado colonial restaram apenas ruínas, mas o templo está inteiro e bem preservado, afirma o professor, lembrando que “a mineração do topázio sempre esteve presente na história do distrito. Viajantes estrangeiros já relatavam a exploração da pedra (tipo imperial) no início do século 19. Algumas lavras eram gigantescas, empregando centenas de escravos”.




Sineira lateral em quartzito torna igreja única, diz o autor Alex Bohrer

PALÁCIO DE VERANEIO A próxima parada da viagem pela Ouro Preto que poucos conhecem é no antigo Palácio da Cachoeira, no distrito de Cachoeira de Campo, construção de 1730 que sofreu mudança na arquitetura e é ocupado desde 1904 pelas irmãs salesianas. No prédio, funciona hoje a Escola Estadual Nossa Senhora Auxiliadora, conhecida como Colégio das Irmãs. O ponto mais surpreendente está nas ruínas de pedra de um lago que tinha 100m de comprimento, 35m de largura e 10m de profundidade, com um detalhe: nas águas, havia uma embarcação a vela com 7m de comprimento. Do passado, ficaram os muros de contenção e a escadaria, embora o assoreamento tenha dominado a área e acumulado terra em cerca de 8m de altura. Para fazer o reservatório de 25 milhões de litros, considerado uma das principais obras de engenharia da época, a coroa portuguesa desviou o Córrego do Açude, hoje no seu curso normal.

O palácio usado para veraneio se tornou palco de fatos importantes da Inconfidência Mineira, como a denúncia de Joaquim Silvério dos Reis (1756-1819) contra Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792), e os demais conjurados. Um governador que usufruiu por muito tempo do Palácio de Campo foi o Visconde de Barbacena, que, vindo para Minas em 1788, passou a residir com a família em Cachoeira do Campo. Nos anos posteriores à Inconfidência, o palácio não atraiu os novos governadores e entrou em decadência em 1819. Ficou para ajudar a contar a história a Ponte do Palácio (século 18), de 30m de comprimento e igualmente de pedra.

A surpresa final fica para a singela Igrejinha de Santo Amaro do Bota-Fogo, outra joia do fim do século 17, dona de uma peculiar sineira lateral em quartzito, “única desse tipo”, conforme o professor, e localizada a cerca de 200 metros da Rodovia dos Inconfidentes. “Trata-se de uma capela típica dos bandeirantes, com duas sacadas, um pequeno óculo central e uma cruz de quartzito. O nome bota-fogo teria origem no ato de os escravos baterem a ferramenta na canga de minério e produzirem faíscas”

Memória
Do arraial à capital
Os primeiros bandeirantes chegaram à região de Ouro Preto antes de 1700 e, com a descoberta do ouro, foram criados os arraiais. Eles se desenvolveram e o então governador Antônio de Albuquerque os elevou, em 8 de julho de 1711, à condição de vila, com a criação da Câmara de Vereadores. A extração mineral era a principal atividade financeira da época e isso fez com que Vila Rica se transformasse em um dos pontos econômicos e políticos mais importantes da colônia. Em 1823, Vila Rica passou a se chamar Imperial Cidade de Ouro Preto. Foi capital de Minas até 1897, quando Belo Horizonte foi inaugurada.

Programação

Amanhã
>> 19h- Abertura da exposição Aquarelas de Chiquitão II, no Centro de Cultura Afro-Casa do Alto da Cruz –Sala Chico Rei

Quinta-feira
>> 19h- Exposição 3º século 3º olhar, no Grêmio Literário Tristão de Ataíde
>> 22h- Show da cantora Paula Fernandes, na Praça Tiradentes

Sexta-feira
>> 8h e 14h- Programação esportiva
>> 14h30- Cerimônia simbólica de elevação dos arraiais a Vila Rica. Exposição do códice Registro de regimentos, ordens, cartas régias, resoluções e Termos – 1709-1754, documento que traz a transcrição do
Termo de Criação de Vila Rica, no Museu da Inconfidência (antiga Casa de Câmara e Cadeia de Vila Rica)
>> 15h – Lançamento do selos 300 anos de Vila Rica e comemorativo Ouro Preto/Correios, na Câmara Municipal
>> 17h – Abertura do Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana- Fórum das Artes 2011, no Centro de Artes de Convenções da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
>> 19h – Missa em ação de graças na Matriz do Pilar
>> 22h- Show Dudu Nobre, na Praça Tiradentes

Sábado
>> 9h- Corrida do Tricentenário, na Praia do Circo
>> 10h- Premiações e apresentações esportivas e abertura do Festival de Capoeira do Grupo Cativeiro, na Mina do Chico Rei
>> 19h- Lançamento do livro e abertura da exposição Ouro Preto: um novo olhar , de Alex Bohrer e Adenilson José (ilustrações), no anexo do Museu da Inconfidência
>> 22h- Show A Zorra, na Praça Tiradentes

Domingo
>> 9h- Rua de Lazer do Sesc, no Bairro Padre Faria
>> 21h- Show Orquestra Cabaré, na Praça Tiradentes


10 TEMPOS DE OURO PRETO

1698 – Chegada da bandeira de Antônio Dias, vinda de Taubaté (SP)

1708 – Em Cachoeira do Campo, é travada batalha sangrenta da Guerra dos Emboabas. Dentro da antiga capela de Nossa Senhora de Nazaré, o português Manuel Nunes Viana (1670-1738) é sagrado governador

1711 –Criação de Vila Rica, em 8 de julho

1720 – Sedição de Vila Rica, movimento liderado por Felipe dos Santos e Pascoal da Silva contra a cobrança de impostos pela coroa portuguesa

1789 – Inconfidência Mineira, movimento libertário que teve como um dos expoentes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792)

1823 –Elevação de Vila Rica a Imperial Cidade de Ouro Preto. Torna-se capital de Minas

1897 – Deixa de ser capital do estado, com a inauguração de Belo Horizonte

1933 – Declarada Cidade Monumento Nacional, pelo governo federal

1938 – Tombamento do conjunto urbano pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)

1980 – Declarada Patrimônio da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco)


IN: ESTADO DE MINAS

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