Uma Letra da Torá


A experiência mística nos permite, sem  dúvida, um encontro mais pleno com o outro, a olharmos o mundo de modo mais profundo e mais feliz.
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Uma Letra da Torá ou, por que sou judeu?

Não é por acreditar que o judaísmo contenha tudo o que existe na história humana. Judeus não escreveram os sonetos de Shakespeare ou os quartetos de Beethoven. Não presenteamos o mundo com a serena beleza de um jardim japonês ou com a arquitetura da Grécia antiga. Admiro as tradições que lhes deram origem. Aval zé he-lanu. Mas isto é nosso. Não sou judeu em razão do anti-semitismo ou para evitar dar a Hitler uma vitória póstuma. O que me acontece não define quem sou: O nosso é um povo da fé, não do destino. Não sou judeu por pensar que somos melhores, mais inteligentes, virtuosos, criativos, generosos e bem sucedidos que os outros. A diferença não está nos judeus, mas, sim, no judaísmo; não no que somos, mas no que somos convocados a ser. Sou judeu porque filho do meu povo ouvi o chamado para adicionar meu capitulo a esta história não finalizada. Eu sou uma etapa nesta jornada, um elo entre as gerações. Os sonhos dos meus ancestrais vivem em mim e sou guardião de sua confiança, agora e no futuro. Sou judeu porque nossos ancestrais foram os primeiros a ver que o mundo tem um propósito moral, que a realidade não é uma guerra incessante entre os elementos para que sejam idolatrados como deuses, e nem que a história é uma batalha na qual o mais forte tem sempre razão e que o poder deve ser satisfeito. A tradição judaica moldou a moral de civilização ocidental, ensinando pela primeira vez que a vida humana é sagrada, que um ser humano nunca pode ser sacrificado em nome das massas e que, ricos e pobres, grandes e pequenos, todos são iguais perante D’us. Sou judeu porque sou herdeiro moral daqueles que estiveram presentes ao pé do Monte Sinai e se comprometeram a viver segundo estas verdades, tornando-se um reino de sacerdotes e uma nação sagrada. Sou o descendente de incontáveis gerações de ancestrais que, embora dolorosamente testados e submetidos à amarga provação, permaneceram fiéis aquele pacto quando podiam tão facilmente ter desertado. Sou judeu em virtude do Shabat, a maior instituição religiosa do mundo, um tempo no qual não há manipulação da natureza ou de nossos companheiros humanos, onde nos reunimos em liberdade e igualdade para criar, a cada semana, uma antecipação da era messiânica. Sou judeu porque nossa nação, mesmo em tempos de imensa pobreza, nunca desistiu de seu compromisso de ajudar necessitados, de resgatar judeus de outras terras ou de lutar por justiça em prol do oprimido, fazendo estas coisas sem esperar congratulações, mas porque são Mitzvôt, porque um judeu não poderia fazer menos. Sou judeu porque amo a Torá, e sei que D’us é encontrado não nas forças da natureza, mas nos significados morais, nas palavras, textos, ensinamentos e mandamentos, e porque os judeus, mesmo quando tudo o mais lhe faltou, jamais deixou de valorizar a educação como tarefa sagrada, dotando os indivíduos de dignidade e profundidade. Sou judeu em razão da fé apaixonada que o nosso povo nutre pela liberdade, sustentando que cada um de nós é agente moral e que nisto repousa nossa dignidade única enquanto seres humanos e, também, porque o judaísmo nunca permitiu que seus ideais se tornassem inatingíveis, mas em vez disso, traduziu-os em atos que chamamos de Mitzvôt, e em um caminho ao qual chamamos Halachá, trazendo assim o céu à terra. Eu simplesmente tenho orgulho de ser judeu Tenho orgulho de ser parte de um povo que, apesar dos traumas e cicatrizes, nunca perdeu seu humor ou sua fé, sua habilidade de rir dos problemas à sua frente e ainda acreditar na redenção final; um povo que viu a história humana como uma jornada e nunca deixou de prosseguir e procurar. Tenho orgulho de ser parte de uma era em que meu povo, devastado pelo mais hediondo crime já cometido contra um povo, respondeu revivendo sua terra, re-cobrando sua soberania, resgatando judeus ameaçados em todo o mundo, re-construindo Jerusalém e provando-se tão corajoso na busca pela paz como na defesa em tempos de guerra. Eu me orgulho do fato de nossos ancestrais sempre terem se recusado a aceitar acomodações prematuras e de que, quando perguntados se "O Messias já chegou?" sempre responderam "Ainda não". Tenho orgulho de pertencer a Israel cujo povo significa "aquele que enfrenta a D’us e ao homem e prevalece". Porque, apesar de amarmos a humanidade, nunca cessamos de lutar com ela, desafiando os ídolos de todas as eras. E apesar de nosso amor eterno por D’us, nunca deixamos de questioná-Lo - e nem ELE a nós. Mesmo que eu admire outras civilizações e religiões, e acredite que cada uma delas trouxe algo de especial ao mundo, este ainda é o meu povo, a minha herança e o meu D’us. Esta é, portanto, a nossa história, o nosso presente para a próxima geração. Eu o recebi de meus pais e eles, por sua vez, o receberam de seus próprios pais, através de um processo que envolveu vastidões de tempo e de espaço. Não existe nada igual. Ele mudou (a humanidade) e até hoje desafia a sua imaginação moral. Eu quero dizer aos meus filhos: Recebam-no, alimentem-no, aprendam a compreendê-lo e a amá-lo. Levem-no nos braços e nos braços ele os levará. E que também vocês possam passa-lo aos seus filhos. Porque cada um de vocês faz parte de um povo eterno; cada um de vocês é uma letra da Torá. Deixem que sua eternidade continue por intermédio de vocês.  


Rabino JONATHAN SACKS in UMA LETRA DA TORÁ, tradução de Betty Rojter e Paulo Rogério Rosenbaum. São Paulo: Ed. Sêfer, 2002, pág. 269 e ss.

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