Exuberância Sináptica
Em termos neurológicos, isso se traduz em algo que os pesquisadores chamam de exuberância sináptica, ou seja, uma quantidade excessiva de sinapses - as menores unidades funcionais do sistema nervoso, descritas basicamente como as pontes de conexão entre neurônios. O segredo das células nervosas é que elas falam umas com as outras o tempo todo, criando uma rede neural responsável por tudo que pensamos (e também pelo que ocorre sem que precisemos pensar). E as células nervosas costumam ser muito faladoras. Para que se tenha uma idéia, cada neurônio se comunica, em média, com outros 10 mil (mas o número pode variar de um a 100 mil, ou mais, dependendo de qual neurônio estamos falando).Pois bem, no cérebro infantil há muito mais sinapses do que no cérebro adulto - o que se reflete, ao mesmo tempo, como um mar de possibilidades, mas nada realmente muito consolidado. As redes neurais, com esse excesso de falação interna, ainda estão em franca formação. "Sinal de... imaturidade", como descreve a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "De fato, o desenvolvimento normal envolve uma primeira etapa de exuberância sináptica, atingida no ser humano durante os primeiros anos de vida. Nesse período, formam-se tantas novas sinapses no cérebro do bebê que, aos 12 meses, ele chega a possuir o dobro de sinapses do cérebro adulto - e para o mesmo número de neurônios", diz Suzana.
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Até 1999, pensava-se que essa fase de exuberância sináptica ocorresse só até os três anos - o que criou aquela lenda de que o período de formação de uma criança ocorre mesmo nessa época e que pouco poderá ser feito pelos pais depois disso para influenciar em seu comportamento. "Na imprensa popular, os três primeiros anos de vida consagraram-se como a 'idade mágica', quando a influência dos pais, do ambiente e da sociedade como um todo poderia fazer a maior diferença para o cérebro da criança", diz Suzana. "Opiniões mais drásticas consideravam que, passados esses três anos, já era; poucas seriam as chances de influenciar a formação do cérebro infantil dali para a frente."
Mas tudo mudou com um megaestudo financiado pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos que acompanhou, com técnicas de imageamento cerebral, a evolução desse órgão em várias crianças por anos a fio e constatou que a fase de exuberância sináptica continua até o início da adolescência e só então começa a ser reduzido nas regiões do córtex - e em cada região num momento diferente.
É a partir dessa fase que o cérebro começa a ser verdadeiramente moldado - as sinapses em excesso, que compõem, junto com os neurônios, a chamada massa cinzenta do cérebro, começam a sumir, deixando apenas aquelas que foram mais utilizadas ao longo da infância. Por essa razão é tão mais fácil aprender coisas novas na infância do que mais tarde - será esse aprendizado, que pode envolver desde a prática de esportes ao conhecimento de línguas, que definirá quais sinapses sobrarão e quais sumirão. "É como se o cérebro fosse um bloco de mármore que vai sendo esculpido de acordo com a vida de cada um, que dita quais sobras remover, até que uma bela estrutura emerge, muito mais bonita e significativa do que o bloco original, bruto", explica a neurocientista da UFRJ.
Uma vez que a massa cinzenta começa a diminuir, a massa branca do cérebro passa a aumentar. Ela é composta pelos axônios, os "tentáculos" usados pelos neurônios para se conectarem uns aos outros. Com a adolescência, além da redução das sinapses - e, portanto, da massa cinzenta -, os axônios passam por um processo de "reforma", sendo engrossados por um revestimento feito com uma capa composta por uma proteína chamada mielina. Essa capa protetora ajuda a reforçar a passagem de impulsos elétricos por ali, mostrando essa consolidação das redes cerebrais. O cérebro infantil deixa de ser um livro aberto e começa a caminhar na direção de sua configuração final. E aí começa a ser ainda mais perceptível como cada região cerebral evolui em seu próprio ritmo.
Uma das regiões que precisa de reformas urgentes ao entrar na adolescência é o giro pós-central - uma faixa do cérebro pertencente ao chamado lobo parietal que fica no topo da cabeça, um pouco mais para trás do que a posição tradicional de uma tiara. Ela guarda, em várias fatias diferentes, as representações que o cérebro faz do corpo. Suas mãos, seus pés, seus olhos, sua boca - tudo que você faz alguma questão de sentir ou controlar está registrado lá. Durante a infância, o giro pós-central tem tempo para se adaptar ao ritmo paulatino de crescimento. Entretanto, com a explosão da adolescência, as pessoas tendem a "espichar" com muito mais rapidez, pegando essa área do cérebro de surpresa. Por isso, não é incomum que adolescentes vivam tropeçando nas próprias pernas (por um erro de cálculo cerebral com relação a seus membros) ou mesmo fiquem se olhando no espelho - essa, na verdade, é uma ótima estratégia, pois permite que os (quase sempre) confiáveis estímulos visuais ajudem o cérebro a se adequar às modificações no corpo.
IN: Revista/Galileu
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