O mosaico partido ( a economia além das equações)



DOWBOR, Ladislau. O mosaico partido: a economia além das equações. São Paulo 26/11/207


Nasci na França, em 1941, de pais poloneses, numa casa de jogos na fronteira espanhola. É provavelmente difícil um brasileiro imaginar o que era nascer na Europa em 1941, no meio de um conflito que ceifou 60 milhões de pessoas. Nascia-se onde se podia. Como a Espanha era de moralidade elevada, as pessoas ricas iam jogar e se divertir na França, e assim o regime de Franco semeou os Pireneus de cassinos. Os meus pais, que tinham participado da I Guerra Mundial, e na Segunda já não se entusiasmavam com os hinos patrióticos, fugiram dos alemães pelo sul da Polônia, foram parar na França, e continuaram fugindo para o sul à medida que os alemães avançavam. Assim fui nascer nos Pireneus, na fronteira espanhola, numa casa de jogos. Tudo tem as suas razões.

Nascer no estrangeiro é marcante, porque já se nasce fora de lugar. Ou seja, a criança já é obrigada a tomar consciência de como é, pois as crianças, que reagem agudamente a qualquer diferença, de roupa, sotaque ou cultura, têm com uma criança estrangeira um prato cheio. Assim, desde os primeiros anos, vão se confrontando culturas: nada é realmente espontâneo, natural, óbvio, pois cada coisa é vista de uma forma em casa, e de outra forma na rua. Em casa era pai e mãe, a Polônia, a religião, os valores. Na rua e na escola, outra cultura, outros valores. (...)


Em 1951 chegamos ao Brasil, pois meu pai, um engenheiro metalúrgico, tinha sido contratado pela siderúrgica Belgo-Mineira, em João Monlevade. Ficamos ali na Vila dos Engenheiros, e era um choque para mim, o primeiro choque no Brasil, de ver um universo tão profundamente dividido entre os de cima e os de baixo, entre a Vila dos Engenheiros e a Vila Tanque, onde viviam os trabalhadores. A grande impressão de quem chega da Europa, realmente, é de que a divisão em Casa Grande e Senzala continua intacta, por mais tecnologia moderna que se introduza. De certa forma, sedimenta-se outra idéia, que se tornaria consciente mais tarde, de que modernidade é uma forma digna de relações humanas, e não abundância de máquina ou automóvel. Os residentes de Alfaville, condomínio chique de São Paulo, gostam talvez da sua ilha. Uns acham que chegaram a algum lugar, outros são conscientes do absurdo. Os que vivem em volta do condomínio já chamam os seus bairros de "Alfavela". Este tipo de modernização leva a algum lugar?                                                                                                        
Vale a pena conferir          


Ladislau Dowbor, é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de São Paulo, e consultor de diversas agências das Nações Unidas. É autor de “A Reprodução Social”, editora Vozes 2003, e de numerosos trabalhos sobre planejamento econômico e social. Artigos e estudos disponíveis na  home page  http://dowbor.org                                                                                                                          

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