Cibercultura


É preciso “explorar as potencialidades deste espaço no plano econômico, político, cultural e humano”, defende o filósofo do ciberespaço. Nessa difícil tarefa do convencimento – mais do que solução, a cibercultura é um problema a resolver, diz –, Lévy usa um dos seus melhores trunfos: escreve para não especialistas. Seu texto flui de maneira organizada, por entre conceitos como virtual, multimídia e interatividade, tabelas que sintetizam o conteúdo e depoimentos sobre a experiência pessoal de navegação no ciberespaço.


As idéias estão dispostas em três blocos. No primeiro deles, Lévy apresenta os pressupostos que orientam o estudo e os conceitos técnicos que sustentam a cibercultura, como é o caso da digitalização e das redes interativas. “Nem a salvação nem a perdição residem na técnica”, afirma, mostrando que as tecnologias não determinam, mas condicionam as mudanças à medida que criam as condições para que elas ocorram. Além disso, aborda o movimento social que deu origem ao ciberespaço – nascido do desejo de jovens ávidos por experimentar novas formas de comunicação e só depois resgatado pelos interesses da indústria  -, e as grandes tendências de evolução técnicas no que se refere a interfaces e a tratamento, memória e transmissão da informações.

Uma vez preparado o terreno, o autor dedica-se, na segunda parte, às implicações culturais do desenvolvimento do ciberespaço. O retrato contempla essencialmente três temas: as artes, o saber e a cidadania. A educação é a que recebe maior atenção. Lévy descreve mutações nas formas de ensinar e aprender. O futuro papel do professor não será mais o de difusor de saberes, diz, mas o de “animador da inteligência coletiva” dos estudantes, estimulando-os a trocar seus conhecimentos.

Com o advento do ciberespaço, o compartilhamento de memória permite aumentar o potencial da inteligência coletiva. O saber, agora codificado em bases de dados acessíveis on-line, é um fluxo caótico. Daí, segundo ele, a necessidade de repensar a função da escola e dos sistemas de aprendizagem e avaliação. Nesse sentido, critica o fato de o diploma ser o único método de reconhecimento da aprendizagem e aprova a integração de sistemas de educação “presencial” e à distância. Por fim, propõe um método informatizado de gerenciamento global de competências, que inclui tanto os conhecimentos especializados e teóricos, quanto os saberes básicos e práticos.

Passada a bonança, a tempestade. Na última parte, intitulada “Problemas”, Lévy busca responder a denúncias contra o ciberespaço. Rebate a crítica da substituição, segundo a qual o real substitui o virtual; a telepresença, o deslocamento físico. Para ele, os modos de relação, conhecimento e aprendizagem da cibercultura não paralisam nem substituem os já existentes, mas antes os ampliam, transformando-nos e tornando-os mais complexos.

Controle Midiático

Quanto às denúncias, concentra seu fogo em quatro questões: a exclusão e o aumento das desigualdades, a cibercultura como sinônimo de caos, a ameaça das culturas e de diversidade de línguas (em miúdos, o domínio do inglês) e a pressuposta ruptura dos valores fundadores da modernidade européia.
No caso da exclusão, admite que as tecnologias produzem excluídos, mas aposta no aumento das conexões, com a queda de preços nos serviços, e alerta: mais do que garantir o acesso é preciso assegurar as condições de participação no ciberespaço.  Às críticas  quanto ao domínio da língua inglesa, responde que é uma questão de iniciativa, pois qualquer um pode colocar no ar mensagens em chinês, grego, alemão.
O autor acredita que a cibercultura seja a herdeira legítima da filosofia das Luzes e difunde valores como fraternidade, igualdade e liberdade. “A rede é antes de tudo um instrumento de comunicação entre indivíduos, um lugar virtual no qual as comunidades ajudam seus membros a aprender o que querem saber”. Diante da profusão do fluxo informacional e do caos emergente que isso venha a causar, ele acena que a rede tem a sua própria forma de controle: a opinião pública e as instituições que dela fazem parte.

Ao que parece, ao colocar as questões, Lévy pretende cutucar aqueles de quem ouve críticas. Para conhecer a Web, navegue nela; esse é o melhor meio, melhor do que muitos livros, insiste. Em nenhum momento, transparece estar dialogando com alguém diretamente, mas na entrevista à @rchipress ataca os desafetos: as críticas à cibercultura traduzem a ignorância e o desejo de manutenção de poder, “...porque há poderes e monopólios que estão ameaçados. Muitos intelectuais são diretores de coleção nas editoras, professores que animam as revistas e aí, com a rede, há todo um movimento de comunicação que escapa às redes tradicionais”.

Desde o início, o autor explicita a sua intenção de deixar de fora as questões econômicas e industriais, concentrando-se nas implicações culturais. Mas, ele próprio, não consegue se desvencilhar da teia de coalizões sociais, políticas e econômicas em que a técnica se insere e enaltece a “dialética das utopias e dos negócios”, numa referência à relação da cibercultura com a globalização econômica. Sem dúvida, questões tão complexas como essas mereceriam tratamento mais aprofundado. Segundo Lévy, o próprio ambiente, instável, dificulta a formulação de grandes respostas. De qualquer forma, ele consegue dar o seu recado: é preciso navegar neste mundo de transformações radicais.

In: LÉVY, Pierre. Cibercultura (trad. Carlos Irineu da Costa).  São Paulo: Editora 34, 1999, 264p.

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