O que é Meditar?



O homem pode, de quando em quando, suspender sua ocupação direta com as coisas, desligar-se de seu contorno, desentender-se dele e, submetendo a sua faculdade de atender a uma torção radical, - incompreensível zoologicamente, - voltar-se, por assim dizer, de costas ao mundo, e meter-se dentro de si, atender à sua própria intimidade ou, o que é igual, ocupar-se de si mesmo e não do outro, das coisas. (...)

Note-se que essa maravilhosa faculdade que o homem tem, de libertar-se transitoriamente de ser escravizado pelas coisas, implica dois poderes muito diferentes: um, o de não atender, mais ou menos tempo, ao mundo em torno, sem risco fatal; outro, o de ter onde meter-se, onde estar, quando saiu virtualmente do mundo.
MIRÓ. Portrait II (1938).Madri. Muséo Nacional Centro de Arte Reina. Sofia

São, pois, três momentos diferentes que ciclicamente se repetem ao longo da história humana em formas cada vez mais complexas e densas: I) O homem se sente perdido, naufragado nas coisas; é a alteração. II) O homem, com enérgico esforço, se recolhe à sua intimidade para formar ideias sobre as coisas e seu possível domínio; é o ensimesmamento, a vita contemplativa como diziam os romanos, o theoretikòs bíos dos gregos, a theoria. III) O homem torna a submergir no mundo para atuar nele conforme um plano preconcebido; é a ação, a vida ativa, a prâxis.

De acordo com isto, não se pode falar de ação senão na medida em que esteja regida por uma prévia contemplação; e vice-versa, o ensimesmamento não é senão um projetar a ação futura.

O destino do homem é, portanto, primariamente ação. Não vivemos para pensar, mas ao contrário: pensamos para conseguir perviver.

JOSÉ ORTEGA Y GASSET. O homem e a gente: intercomunicação humana. Rio de Janeiro. Livro Ibero-Americano, 1973.



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