Os muros visíveis e invisíveis


I.
O menino parado no sinal de trânsito vem em minha direção e pede esmola. Eu

preferia que ele não viesse. [...] Sua paisagem é a mesma que a nossa: a esquina, os

meios-fios, os postes. Mas ele se move em outro mapa, outro diagrama. Seus pontos de

referência são outros.

Como não tem nada, pode ver tudo. Vive num grande playground, onde pode brincar

com tudo, desde que “de fora”. O menino de rua só pode brincar no espaço “entre” as

coisas. Ele está fora do carro, fora da loja, fora do restaurante. A cidade é uma grande

vitrine de impossibilidades. [...] Seu ponto de vista é o contrário do intelectual: ele não vê o

conjunto nem tira conclusões históricas — só detalhes interessam. O conceito de tempo

para ele é diferente do nosso. Não há segunda-feira, colégio, happy hour. Os momentos

não se somam, não armazenam memórias. Só coisas “importantes”: “Está na hora do

português da lanchonete despejar o lixo...” ou “estão dormindo no meu caixote...” [...]

Se não sentir fome ou dor, ele curte. Acha natural sair do útero da mãe e logo estar

junto aos canos de descarga pedindo dinheiro. Ele se acha normal; nós é que ficamos

anormais com a sua presença.

JABOR, A. O menino está fora da paisagem. O Estado de São Paulo, São Paulo, 14 abr. 2009. Caderno 2,

p. D 10.



II.

Vinte anos se passaram desde a queda do Muro de Berlim. A cidade comemora com

uma programação rica em atividades. Pode-se conferir, por exemplo, uma grande exposição

de fotografias na Alexander Platz ou ver de perto a restauração da East Side Gallery, um

pedaço de muro ainda existente que se transformou numa galeria de arte a céu aberto. [...]

Em Berlim, [...] tenho ouvido a afirmação recorrente de que o muro persiste enquanto

paisagem interiorizada pelos habitantes da cidade. [...] Onde buscar esse muro internalizado?

[...]

Tudo isso faz pensar nas cidades brasileiras, onde os muros tomam conta da paisagem,

seja segregando favelas e bairros populares, seja cercando os condomínios fechados dos

bairros nobres. Berlim nos ensina que o muro é forma-conteúdo, é produto e também

processo, reflete e condiciona o modo como uma sociedade lida com a diferença. O muro

também produz a diferença e radicaliza a ocultação do “outro”, transforma diferença em

segregação e desigualdade.

SERPA, A. Muros internalizados. A Tarde, Salvador, 1o ago. 2009. Caderno Opinião, p. A 3.


III.

Todo muro tem dois lados. Se, do lado de cá, ele impede o avanço do nosso descaso

para com os pobres; do lado de lá, ele vai servir de trincheira, casamata e torre para os que

se aproveitam da pobreza “criminosamente” [...]. Com o muro, concretiza-se o que o Zuenir

Ventura diagnosticou como uma cidade partida que, murada, será irremediavelmente

repartida.

DAMATTA, Roberto. O problema do muro no Brasil. O Estado de São Paulo, 15 abr. 2009. Caderno 2.

p. D 12.


Os três fragmentos oferecidos para a sua reflexão apresentam situações distintas,
mas que se identificam ao tratarem dos muros visíveis e invisíveis que separam as pessoas.

A partir de uma análise das ideias desses fragmentos, produza um texto argumentativo — na

forma de prosa que julgar conveniente — em que você discuta a desigualdade reveladora

de muros visíveis e invisíveis no Brasil, sugerindo alternativas de mudança.

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